terça-feira, novembro 29, 2016

PORCOS EM GUERRA



 À primeira vista, mas só à primeira vista, "When Pigs Have Wings" ("Um Porco Em Gaza") é uma comédia e, nesse particular, é excelente. Faz rir, diverte, tem uma história repleta de non-sense e situações caricatas, que provocam gargalhadas no espetador.

 

Um pescador palestiniano pesca um porco em vez de peixe, mas como tem de viver, precisa de vender o porco para ter dinheiro. Este é o ponto de partida. Só que na Palestina é proibido ter porcos por motivos religiosos e em Israel é proibido ter porcos por motivos de segurança, já que os animais são usados como bombas.


A história parece demasiado simples para sustentar hora e meia de filme? Não é. E sem tentar ser moralista, o realizador Sylvain Estibal parece saltar sempre entre os dois lados da barreira - afinal, uma guerra nunca tem só um ponto de vista -, tentando ridicularizar quer israelitas quer palestinianos. Nesse sentido o filme ganha uma dimensão dramática, em que o riso é muito mais irónico que divertido.


Vista de fora, a guerra entre israelitas e palestinianos não só não tem fim à vista, como dificilmente terá um vencedor. Como diz a canção dos U2 - também sobre um outro conflito tão ridiculo como o retratado no filme, também tão religioso como politico -, "já há demasiados mortos, mas quem ganhou?". "When Pigs Have Wings" é um filme sério, que não se toma a si próprio demasiado a sério.


O realizador demonstra ser competente e os atores fazem o seu papel com eficiência, neste filme que faz rir por ter um tema de vital importância, quer para Israel, quer para a Palestina, onde residem as verdadeiras vitimas do conflito. Provoca um efeito estranho no espetador, que todos os dias assiste na televisão, no sossego da sua casa, às atualizações dramáticas de mortos e feridos nesta guerra. "When Pigs Have Wings" não vai deixar ninguém indiferente, seja qual for o seu ponto de vista.


quinta-feira, novembro 24, 2016

O AMOR NÃO TEM GÉNERO




Este é mais um filme que caiu da televisão, tal como já tinha acontecido com "El Secreto de Sus Ojos". Com a vantagem de ser visto num canal respeitador do cinema e, portado, ter corrido sem interrupções de intervalos ou publicidade. Cerca de três horas de puro entretenimento.


"Blue Is The Warmest Color" (traduzido por "A Vida de Adèle") é um drama romântico. Uma história de amor sobre uma rapariga normal de 17 anos, filha duma família normal da classe média francesa, estudante normal, filha normal dum agregado familiar sem desfuncionalidades evidentes, com todos os dramas normais de uma adolescente normal, com os seus namoros normais e normais aventuras sexuais.


Aparentemente, tudo normal. Mas Adéle tem um problema: uma insatisfação permanente que não compreende. É uma miúda naturalmente triste. É o que lhe diz alguém com quem se cruza num bar homossexual: "O amor não tem sexo; procura alguém que te ame e te faça feliz". Na verdade, Adéle não procura, no verdadeiro sentido do termo, mas essa pessoa vem ter com ela.


E Adéle passa a ser feliz assim: só a partilhar a vida com a sua alma gémea. É feliz em ser naturalmente triste, desde que esteja na companhia do seu amor. Quer um trabalho simples, não procura a fama nem expressar a sua criatividade literária. É feliz assim, naturalmente triste. Ponto.


Ninguém vai reparar, mas o filme tem três horas de duração. E ninguém vai notar, porque Abdellatif Kechiche é duma perfeição exemplar na realização e na orientação dum grupo de excelentes atores, que sabem muito bem o que querem e onde desejam chegar. Este é um daqueles filmes perfeitos: uma boa direção de bons atores, que representam bem uma boa história. E o espetador é feliz assim, juntamente com a tristeza natural de Adèle.

segunda-feira, novembro 21, 2016

OS HERÓIS DE DIRTY HARRY



Mais uma vez, Clint Eastwood faz um filme sobre um herói improvável. Tal como "Invictus", ou "A Bandeira Dos Nossos Pais", ou "American Sniper", "Sully" é sobre uma proeza colocada aos olhos da opinião pública, mas desconstruída no privado das salas do poder.


Genericamente falando, eu gosto dos filmes realizados por Clint Eastwood. É um realizador metódico, que sabe criar interesse onde parece não haver nenhum. A lista é grande: "As Pontes de Madison County", "Mystic River", "Meia-Noite No Jardim Do Bem E Do Mal"... E se é verdade que "Sully" parece ficar aquém de muitos destes, a verdade é que é um filme interessante, de onde ressalta, logo à partida, um enorme trabalho de investigação. O velho Dirty Harry sabe muito bem o que faz, quando se mete atrás das câmaras.

O filme começa no fim: o comandante Chesley "Sully" Sullenberger (Tom Hanks) está perante uma comissão de inquérito, que tenta perceber como é que um avião de muitos milhões de dólares, está no fundo do rio Hudson. Foi notícia de  primeira página em janeiro de 2015, não só porque não houve quaisquer vitimas, mas porque não é nada costume um Airbus A320 sobrevoar Nova Iorque e aterrar no rio que atravessa a cidade.


"Sully" vai contando duas histórias pelo caminho: a viagem e o acidente, e o inquérito, ambas coladas entre flash-backs bem conseguidos, colocados no momento certo e ao ritmo que deve ser. O espetador é levado pelo drama da investigação, pelo drama do herói - que, vendo bem, não o é -, e pelo drama da viagem propriamente dita.


O filme tem a dose certa de ação e de drama. Um filme sem fogo de artifício, mas com uma interessante direção de todos os elementos cinematográficos: atores, ritmo, montagem... É um daqueles pedaços de cinema que valem a pena, mesmo que depois haja pouco para contar. O filme não é um show-off de artificios, é apenas uma história de heróis. Reais. E, como se sabe, a realidade é muito pouco interessante.