domingo, outubro 08, 2017

O DESESPERO DE LOLITA

Una: Negra Sedução: CRÉDITOS COMPLETOS
 

Nada além de "Down By The Water" de P J Harvey podia ilustrar melhor este "Una", cujo tema é tão incomodativo, que o realizador Benedict Andrews vê-se muitas vezes na obrigação de se fixar no que parece secundário, para que o principal seja mais subentendido que entendido. Não sendo uma perfeição, a performance quer de Rooney Mara, quer de Ben Mendelsohn, conseguem manter o espectador fechado numa sala, enquanto os seus personagens, Una e Ray, se confrontam sobre o que têm em comum.


Uma mulher procura um homem no seu local de trabalho, pretendendo confronta-lo com factos do passado comum. Nesse aspecto, o filme não perde tempo a criar suspense sobre o tema central. Ao fim de poucos minutos já sabemos que lidamos com o abuso de crianças: quando tinha 13 anos, Una (interpretada por Ruby Stokes) foi seduzida pelo seu vizinho Ray. Mas a Una adulta não quer vingança e é nessa contradição entre sedutor e seduzido que a obra vai buscar a lenha para arder.


Baseado na peça de teatro "Blackbird" de David Harrower, uma sala serve de palco a toda a tensão entre os personagens, sendo a história contada em flash-back. É quando abandona a performance fabulosa de Rooney Mara e Ben Mendelsohn que o filme parece perder-se, já que a empatia entre os dois actores é de tal forma intensa que, quando saem do ecrã, é como se um balão se esvaziasse. Dá a impressão que Benedict Andrews nunca se apercebe bem do diamante que tem na mão, perdendo tempo a procurar alternativas no vidro de pchebeque.


A complexidade do duo Una-Ray é o principal trunfo do filme, que vai agradar a quem gosta de dialogos bem construidos por personagens intensos. O principal problema do filme é a sua estrutura: baseado numa peça de teatro, dá a impressão que  o realizador não consegue ficar quieto na cadeira, saltando entre cenas do passado, que, no fim, não acrescentam drama à intensidade do confronto entre os actores.


"Una" é uma hora e meia de cinema ambiguo. Alimentado pelo fogo intenso de dois actores extraordinários, que farão as delicias de muitos cinéfilos, deixa-se perder em pormenores desinteressantes que distraem os espectadores esmagados na cadeira. É como se, de repente, retirassem o tapete do drama, para perguntar se queremos chá, café ou laranjada. Na verdade, naquele preciso momento, não queremos nada, só desfrutar dum certo prazer, que acabou de nos ser roubado.

quarta-feira, outubro 04, 2017

ARRASADO PELA CRITICA, ADORADO PELOS ESPECTADORES

"- A violência não é a pior coisa do mundo.
- O que é, então?
- A indiferença."

CRÉDITOS COMPLETOS

 "The Book of Henry" não é para quem gosta de histórias lineares, daqueles que seguem direitinho um plano estabelecido. Apesar de alguns defeitos - uma certa infantilidade em alguns diálogos, por exemplo -, este vai ser, para mim, um dos melhores filmes do ano, certamente uns dos melhores até agora e, muito provavelmente, inultrapassável até Dezembro.


Salpicado com uns pozinhos de comédia - mas não o suficiente para aniquilar a carga dramática da história -, "The Book of Henry" trás para a frente de batalha assuntos sérios e incomodativos, para mim especialmente: a morte e o abuso de crianças. É um filme que lida de forma radical com ambos, servido por várias interpretações absolutamente superiores, a começar pelo irmão mais novo Peter (Jacob Tremblay).


Henry (Jaeden Lieberher) tem um diário secreto, não onde escreve o seu dia a dia, mas onde organiza um esquema meticuloso que a sua mãe Susan (Noami Watts) deve seguir à risca, para acabar com o drama da sua vizinha - colega de escola e secreta apaixonada - Christina (Maddie Ziegler). A partir deste argumento de Gregg Hurwitz - multi-nomeado para infinitos prémios, pelas suas novelas policiais e de mistério -, Colin Trevorrow constrói um drama pungente de vingança e redenção, preso entre a comédia, o romance e o thriller.


Servido por interpretações às vezes infantis, mas sempre excelentes, a história tanto pode ser encarada como um drama familiar, um romance pouco convencional ou um thriller disfarçado de comédia. A verdade é que estamos perante uma mãe desorganizada, apesar de interessada, que se envolve - por motivos que preferia que não tivessem acontecido - num outro núcleo familiar, quebrando a sua premissa existencial de que "não é da nossa conta". Irá, então, descobrir que tudo é da nossa conta e que o bem estar do vizinho é importante para o nosso próprio bem estar.


Todas as criticas que li arrasam este filme, considerando que parece tratar de forma superficial e infantil um tema que deveria ser levado muito a sério na sociedade actual. No entanto, eu vou repetir o que disse ao inicio: este foi, até agora, um dos melhores dramas do ano para mim e é muito provável que, até ao final, poucos consigam interessar-me e motivar-me como este "The Book of Henry". Se fui influenciado pelo tema, quer a morte quer a pedofilia, que me incomodam em particular? Certamente.


Ao contrário da critica, os espectadores parecem gostar deste filme. Identificam-se com estes personagens que, na sua simplicidade, parecem saídos da casa ao lado da sua, sendo essa uma premissa importante na história: importar-se com o vizinho, saber que a felicidade do "outro" é de importância vital para a felicidade do "eu". Nesse sentido, é um filme redentor, uma infantilidade feliz e de esperança.