quinta-feira, fevereiro 02, 2017

MENTE ABERTA



Decidi ver este "iBoy" por causa de Maisie Williams, de quem sou um fanático admirador na série "Game Of Thrones", e como já disse algures lá para trás, escolher um filme por causa de uma atriz, é um motivo tão bom como outro qualquer. Afinal, deixem-me dizer desde já, não estou nada arrependido. Este é um daqueles filmes que deve ser abordado de mente aberta e, nesse sentido, não sendo nada de fantástico, é bem divertido e nada pretensioso.


"iBoy" tem uns pozinhos de Marvel, já que Tom (Bill Milner) parece, à primeira vista - mas só à primeira vista -, transformar-se num superherói devido a um acidente. A história varia entre o Charles Bronson vigilante de "Death Wish", a Judie Foster vingadora de "A Estranha Em Mim" e o Homem-Aranha justiceiro, mas não me entendam mal: não é um cocktail desproporcional, é antes uma mistura bem conseguida.


A história é simples e o realizador Adam Randall consegue imprimir ritmo e interesse ao filme, mesmo considerando que o personagem central demora algum tempo a cristalizar. Lucy (Maisie Williams), por outro lado, brilha como de costume desde o inicio, fazendo-nos entristecer por, quando andávamos na escola, não termos conhecido ninguém como ela. Coisas da vida!...


"iBoy" é para espetadores que querem duas horas de bom divertimento, que gostam de cinema de aventuras bem feito, com efeitos especiais bem conseguidos mas que não se sobrepõem ao próprio filme; que esperam do cinema aquilo que ele pode dar de mais simples, mas sem ser idiota. Não é o filme duma vida, mas é o filme duma bela tarde entre amigos.


A VIDA ESTÁ NAS PALAVRAS


Em 2013, na altura da estreia, recusei-me a ler e a ver "A Rapariga Que Roubava Livros", como me recusei a ler e a ver "O Rapaz do Pijama Às Riscas", apesar de fazer parte do Plano Nacional de Leitura (tão badalado atualmente). Incomodam-me histórias de crianças e animais em sofrimento. Acabei por ler e ver ambos, em parte por obrigação didática, em parte por imposição de terceiros, que me despertaram uma imensa curiosidade, que acabou por superar o medo.


"A Rapariga Que Roubava Livros" veio-me à memória devido aos tempos conturbados de intolerância que o mundo parece atravessar neste momento, muito devido a razões que não são para aqui chamadas, numa perspetiva meramente cinéfila. Gente com enormes responsabilidades no mundo, parece ter esquecido - ou, pelo menos, querer fazer esquecer -, que radicalismos e extremismos nunca foram boa companhia de humanos inteligentes.


Estamos na Alemanha de 1938. Liesel (Sophie Nélisse) rouba livros que partilha com os outros, enquanto cria o seu próprio dicionário nas paredes da cave da casa que habita, onde se esconde um judeu fugido dos nazis. Mesmo nos momentos de maior felicidade, o filme é profundamente triste e cinzento, e o realizador Brian Percival faz questão de enfatizar esse lado deprimente da história.


Toda a realização é discreta, deixando os atores brilhar por si, com a fantástica Emily Watson (Rose) à cabeça, acompanhada por Geoffrey Rush (Hans) e pelo pequeno Nico Liersch (Rudy). Além disso, o filme faz uso duma fantástica reprodução da época, com extremo cuidado nos pormenores.


Se no livro, são as palavras que o tornam tão particular, no filme essa característica esbate-se. Por isso Brian Percival faz uso duma fotografia rigorosa, de excelentes atores e de um narrador muito especial. É o melhor que se consegue, para fazer um filme especial, dum livro tão especial!

quarta-feira, fevereiro 01, 2017

ASSUNTOS SÉRIOS



"About Ray" tem, logo à partida, uma vantagem: abordar um tema fraturante de forma inteligente, sem esquecer o divertimento. Pode parecer uma contradição, mas não fazer drama acerca dum assunto tão delicado, como a opção de mudar de sexo - ainda por cima, num  (ou "numa"?) adolescente de 16 anos -, parece-me a melhor forma de tratar um assunto complexo.


Este é um filme checoslovaco, com o título espanhol de "Tres Generaciones", filmado em Nova York, com atores americanos. Logo durante o genérico, percebemos que é coisa séria: Linda Emond, Susan Saradon, Noami Watts, todas elas à volta duma fantástica Elle Fanning. Mas a diretora Gaby Dellal não se intimida com o elenco e comanda as tropas de forma brilhante.


Ray (Elle Flanning) nasceu rapariga, mas quer ser rapaz. Vive no seio duma família (aparentemente) algo disfuncional, com avó lésbica e mãe solteira. Nada de novo, portanto, parece assunto de inúmeras obras já filmadas. Só que o pai de Ray está ausente deste circulo familiar há demasiados anos e é preciso encontra-lo, para que seja concedida a devida autorização para a operação de mudança de sexo da (ou "do"?) adolescente.


É a partir daqui que "About Ray" revela um sentido de humor fabuloso, sem nunca deixar de tratar o assunto de forma profunda. Os personagens são psicologicamente bem conseguidos, os diálogos são inteligentes e os atores sabem bem o que se espera deles, em cada uma das situações em que são colocados. Os argumentistas Gaby Dellal e Nikole Beckwith sabem o que fazer da história, sem nunca perder a boa disposição - aquela que não provoca gargalhadas sonoras, mas antes um sorriso permanente, mais interior que exterior.


Como disse no principio, "About Ray" é sobre assuntos sérios, tratados de forma divertida, nunca esquecendo que seriedade e humor são dois lados da mesma moeda. Tem humor, sem nunca perder o respeito. A situação de Ray é dramática e deve ser tratada com inteligência. Este filme nunca se esquece disso.


Não sei se todos vão gostar tanto do filme como eu. "About Ray" não é uma aventura, é um drama psicológico; não é uma comédia - mesmo que faça rir em muitas situações -, é um filme profundo e sério. Às vezes o espetador pode não saber o que esperar ou o que sentir. É um filme sobre confrontos: de convicções e de valores morais.

quarta-feira, janeiro 18, 2017

E EU, QUE NEM GOSTO DE MUSICAIS!...

 

É que eu nem gosto assim tanto de musicais!... Gosto de romances, de comédias românticas, de teorias da conspiração, de thrillers, de terror - com gore, ainda melhor -, mas de musicais, nem por isso! Portanto, reconhecendo o preconceito, fica já o aviso: tudo o que disser de mal acerca de "La La Land", é puro gosto pessoal e o filme não tem culpa nenhuma!


Damien Chazelle já nos tinha dado o intenso "Whiplash", que, de certa forma, já jogava com o jazz, mas neste "La La Land" atreve-se na "era dourada" dos musicais de Hollywood, não renunciando a nenhuma referência, de Fred Astaire e Ginger Rogers a Gene Kelly e Debbie Reynolds. E embora o colorido da fotografia e dos figurinos, pareçam remeter-nos outra vez para os anos 50, os automóveis e os telemóveis, lembram-nos sempre que é hoje.


O filme começa com uma cena musical complexa, passada num engarrafamento de autoestrada, com planos-sequência de gente a correr e a dançar, entre portas a abrir e a fechar. Quando nos damos conta, apenas passaram dez minutos e a vontade é sair a correr do cinema, com medo de as duas horas que faltam, nunca atingirem este nível de perfeição.


Depois entra Emma Stone (Mia) e apontem-me o primeiro que não se apaixona imediatamente. Mia vai-se cruzar com Sebastian (Rayan Gosling) e a química entre os dois - que já tinha sido testada com êxito em "Crazy, Stupid, Love" - é de tal forma perfeita, que o filme parece uma fantástica melodia. Um não faz sentido sem o outro e a história não faria sentido sem algum deles.


Tudo em "La La Land" é tão perfeito, tão meticulosamente calculado, tão perfeitamente encenado - sempre sem perder uma beleza natural arrebatadora -, que quando acaba, o espetador quase tem vontade de chorar por já não haver mais. Damien Chazelle traz uma nova luz a um género outrora esplendoroso, dando-lhe uma nova dimensão romântica, arrebatadora e divertida.


Quem iria pensar que alguém poderia fazer renascer dos mortos, um género que já foi rei em Hollywood e que mais parecia um cadáver em decomposição? "La La Land" é em exemplo de excelência em cinema. Retrogrado e original ao mesmo tempo, uma experiência relevante para todos os que tiverem a sorte de o ver.

segunda-feira, janeiro 16, 2017

ARDER EM LUME BRANDO


"Carol" não é filme para quem não gosta de cinema que arde em lume brando. No entanto, ao contrário do que disse aqui acerca de "A Kind of Murder", isto é tudo o que uma história de Patricia Highsmith deve ser: intensa mas dramaticamente lenta, com um cuidado exemplar na composição psicológica dos personagens, com a ação a avançar devidamente para um epilogo final, que, pode ou não, ser o que se imagina.


Os espetadores mais atentos vão encontrar muitas referência a Hitchcock, na forma como Todd Hynes filma gestos, expressões, pequenos movimentos de câmara. Mas nada retira ao filme a sua beleza dramática. Esta é uma obra triste, desenvolvida lentamente numa novela que, para a época, foi revolucionária e provocadora.


Se hoje em dia o tema da homossexualidade feminina é uma banalidade, nos anos 50 - quando a novela foi escrita -, Patricia Highsmith meteu-se por caminhos inexplorados e atreveu-se a mexer num tema (ainda) tabu. Todd Hynes e as sua atrizes Cate Blanchett (Carol) e Rooney Mara (Therese) parecem respeitar esse compromisso da obra original e tratam o tema com respeito e empenhamento.



Tudo em "Carol" é suberbamente equilibrado e feito de tal forma que cada coisa se encaixa na perfeição, extamente no lugar em que tem de estar. Como disse no inicio, é um filme que corre devagar, arde, é verdade, mas é um fogo que não espalha brasas, antes fervilha em banho-maria. Queima, mas só depois de ser tarde demais.

sábado, janeiro 14, 2017

BENDITA BIPOLARIDADE



É fantástico quando um romance consegue utilizar todos os clichés do género de forma tão original, quase invertendo a lógica da normalidade, como "Touched With Fire". É verdade que os temas psiquiátricos, psicanalíticos e outros "psis" me fascinam, mas este filme consegue fazer algo mais: transformar banalidades em momentos interessantes.



"Touched With Fire" é um "rapaz conhece rapariga" como todos os outros, com os momentos chave do encontro, do enamoramento, do drama e da reconciliação, muito bem definidos. Mas toda essa vulgaridade vem embrulhada num papel de luxo, luminoso e original, para o qual contribui as fantásticas interpretações de Katie Holmes (Carla) e Luke Kirby (Marco).


Paul Dalio tem uma realização honesta - mais do que brilhante -, num filme que, por vezes, é de cortar a respiração. O tema central vagueia entre a doença e o romance, sem nunca se conseguir decidir. Essa é uma das criticas que lhe podemos fazer. Mas a simplicidade com que assume essa bipolaridade, só faz com que o espetador seja cúmplice da indecisão.


Carla e Marco são doentes. É através da doença - e por causa dela - que se encontram e se desencontram;  é por causa dela que se juntam e separam, que saboreiam a loucura da paixão e sofrem o drama da separação. Mas em momento algum o filme tem uma atitude paternalista ou de os tratar como coitadinhos infelizes. A poesia brota tanto das suas palavras como da forma como são seguidos na sua loucura. Não são vitimas das circunstancias, são agentes da ação.


Paul Dalio também é doente bipolar - no final homenageia uma serie de bipolares que, duma maneira ou de outra, mudaram a história da humanidade: Edgar Allan Poe, Jackson Pollock, Tchaikovsky... A lista é longa e não está lá Fernando Pessoa, talvez por esquecimento ou por desconhecimento -, e isso só faz com que esta sua primeira longa metragem seja tanto feita com a razão, como com o coração. Estamos tão saturados de romances vazios, que um romance com sumo faz-nos subir ao sétimo céu.

sexta-feira, janeiro 13, 2017

REBOBINAR


Pergunto-me frequentemente, o que faz um filme ser de tal forma atraente, que nos faz querer regressar a ele de tempos a tempos, como um imã que atrai o metal? Até porque "Lost In Translation" - vá-se lá saber porquê, estupidamente traduzido para português por "O Amor é um Lugar Estranho" -, não tem ação, não tem cenas surpreendentes, não tem episódios escaldantes. É apenas uma história de dois personagens que se cruzam acidentalmente, nos corredores dum hotel, numa cidade estranha.


Os que já me conhecem, dirão que tem Scarlett Johansson (Charlotte), mas posso já adiantar que é muito mais que isso, até porque ela não faria qualquer sentido sem Bill Murray (Bob Harris), porque é apenas na companhia um do outro que os seus personagens conseguem desbravar um pouco da solidão que os atormenta. Uma solidão que tem muito mais a ver com um deserto interior que com a falta de companhia exterior.


Quer Bob quer Charlotte, cada um à sua maneira, estão perdidos numa cidade superpovoada, rodeados de gente cuja língua não entendem e isso poderia ser motivo suficiente para se ligarem. Mas com o desenrolar do filme, percebemos que a sua empatia tem muito mais a ver com a falta de sentido, aquele sentido que nos move na vida - não na cidade, que essa tem setas com indicações. Talvez pareça que, para um, é mais tarde que para o outro, mas nem isso parece afetá-los na relação privada.


"Lost in Translation" é nitidamente um romance. Mas é precisamente por poder não o ser, que consegue manipular o espetador ao ponto de ele nunca saber o que pode esperar, mesmo que cedo se perceba que não pode esperar muito, ou nada. Sofia Coppola abandona a parte dianteira do cinema e coloca-se definitivamente no lugar para onde parece ter nascido: o de realizadora. Depois do fantástico "As Virgens Suicidas", vai buscar inspiração ao ADN paterno e dá uma lição de direção a muitos nomes mais velhos e mais experientes.


Muito poucos filmes nos fazem pensar para além do seu fim, o que não é necessariamente mau. O cinema pode ser puro entretenimento e há grandes obras nesse aspeto particular e há muitos espetadores que os preferem assim. É justo. Só que "Lost in Translation" é todo sobre sentimento e pensamento. É uma experiência humana sobre o amor, a solidão, e a vida; é tudo sobre desencontros e a necessidade existencial de os transformar em algo novo, para podermos seguir em frente com as nossas mais profundas experiências.


Poucos filmes me "atingiram" como "Lost in Translation" e o termo "atingir" tem aqui um sentido muito positivo; podia dizer que poucos filmes me proporcionaram tanto prazer como este, mas poderia parecer perverso, já que é um filme triste na sua mais profunda essência - isto apesar de várias cenas com piada e alguns diálogos irónicos; a verdade é que esta é uma obra bela e simples, guiada por pensamentos interessantes, escrito, realizado e representado com inteligência, daquela que não precisa de ser exibida, apenas paira no ar como a atmosfera.

quinta-feira, janeiro 12, 2017

MENOS É MAIS


"The Girl On The Train" podia ser um grande filme, independentemente da novela de Paula Hawkins, que não conheço. Tem lá (quase) todos os ingredientes para um excelente thriller, apesar das inúmeras referências a Hitchcock - "Janela Indiscreta", "Vertigo" - incluindo a inevitável loira misteriosa. Mas confunde-se a si próprio e acaba por tornar-se numa confusão decepcionante.
 

Como diz o grande cozinheiro Marco White, "mais é menos", ou seja, não é preciso complicar para um prato simples ser fantástico. É o que o realizador Tate Taylor não faz, tendo na mão uma boa história e bons atores, mas tornando (o que poderia ser) um bom filme, num labirinto de banalidades.



Claro que Emily Blunt (a alcoólica e deprimida Rachel) é brilhante, acompanhada dum elenco profissionalmente irrepreensível. Mas isso só faz com o espetador se sinta mais frustrado, por todas as potencialidades que a película tem e que acabam por nunca se concretizar. O filme tem um motor Ferrari, mas nunca consegue andar melhor que um Fiat.



O filme tem tudo o que seria preciso para ser brilhante, incluindo o final surpreendente, o que faz acreditar que a história de Paula Hawkins deveria ser ingrediente suficiente para fazer uma obra brilhante. Mas a principal sensação do espetador, é ir a correr para uma livraria comprar o livro, em vez de saborear o filme que deixa um travo estranho na boca, como um prato que podia ser extraordinário, feito de ingredientes de primeira qualidade, mas que se complica a si próprio, com temperos e cozeduras demais.


Não me interpretem mal: não é um filme horrível. É apenas um filme que poderia ser excelente e não passa de medíocre. Complica o que é simples. Não basta o tradicional "o livro é sempre melhor que o livro", até porque não li o livro e, portanto, não estou a fazer comparações. Estou a falar de cinema puro e simples: "The Girl On the Train" tem tudo para poder ser o paraíso da degustação; acaba por não passar dum prato complicado, mas sem sabor.

terça-feira, janeiro 03, 2017

SABOR AGRI-DOCE

 


"Nocturnal Animals" vai certamente deixar um sabor estranho na boca de muitos espetadores. Primeiro, é um filme visualmente cuidado, ou não tivesse Tom Ford começado por ser estilista de roupa; segundo, é um filme duma extrema violência, explicita e implícita, o que faz com que nunca saibamos se é um romance, um thriller, um drama psicológico... Ainda porque contêm várias histórias dentro da história, sem nunca parecer querer evidenciar nenhuma.


O filme conta com a participação dum elenco de luxo, mas principalmente conta com a fascinante meio-loura-meio-ruiva Amy Adams (Susan Morrow, a depositária da novela central), que espalha uma beleza ofuscante por toda a película.


A sequência do gato e do rato na autoestrada é excelente, tensa e dramática, o que prova que Tom Ford sabe filmar acção quando quer, isto apesar de todo o filme ter tendência para ser densamente inativo, mesmo que, como já disse, faça uso duma violência invulgar. Uma (um várias) fábula(s) sobre o amor, a vingânça e a linha que separa a vida e a morte. Enquanto Susan Morrow lê, Tony Hastings (Jake Gyllemhaal) - que também pode ser Edward Sheffield, o ex-marido da própria leitora Susan - desespera, sangra, literal e metaforicamente.



Vencedor do Prémio do Júri em Veneza, "Nocturnal Animals" é um thriller psicológico, ou um drama romântico? Não sei. Mas sei que é portador duma tensão arrebatadora, que explora a ténue linha que separa o amor do ódio, a vingança da crueldade, a perdição da salvação. É um filme sobre a descoberta de verdades escondidas, aquelas que todos nós queremos manter ocultas no mais fundo de nós próprios.


Não vai ser um filme consensual. Muitos vão achá-lo doce, outros amargo; muitos, simplesmente, não vão aceitar que um desenhador de moda, muito preocupado com o estilo, seja capaz de fazer uma obra intensa. De qualquer maneira, é uma película que tem de ser vista por quem gosta de cinema, puro e simples, feito com cuidado e com versatilidade - que vai, precisamente, do sal ao açúcar, do amor ao ódio.

RENDER O INVESTIMENTO

 

Tenho a confessar que gostei do primeiro "Jack Reacher". Era um "teoria da conspiração" bem conseguido, com ritmo, acção e divertimento, mesmo considerando que o Jack Reacher de Lee Child tem quase 2 metros de altura e 110 quilos de peso, coisa que o coitado do Tom Cruise, por muito que tente, não consegue atingir, mas mesmo assim, o filme estava bem conseguido.


O problema é que a Paramount adquiriu os direitos de algumas das histórias e agora tem de despachar filmes para compensar o investimento. E se é verdade que Tom Cruise sabe todo o livro da ação - aprendeu a conduzir F-11's e Chevrolets e, reconheçamos, as "Missões Impossíveis" nem são nada de deitar fora -, também é verdade que nem sempre as mãos que o dirigem estão à altura da encomenda.


A adaptação para cinema deste "Jack Reacher: Never Go Back", ficou a cargo de Richard Wenk, Edward Zwick e Marshall Herskovitz, que nem por sombras conseguem atingir o nível do seu antecessor de 2012.
 Este também tem lá (quase) tudo: tiros, porrada, correrias, mas o resultado final é uma omelete sem sal. Não basta por toda a gente aos murros, para fazer um bom filme de ação. É preciso mais.


Os mais atentos dirão que o realizador Edward Zwick tinha obrigação de fazer melhor, porque já tinha conseguido um dos melhores filmes de Tom Cruise, "O Último Samurai", ou porque também já tinha assinado o interessante "Diamante de Sangue" com Leonardo Di Caprio, por exemplo, mas aqui perde-se em rodriguinhos desnecessários e acaba por não sair nada de interesse, mesmo para quem gosta de porrada pura e simples, sem muita conversa e sem muito assunto para pensar.



A tentativa de dar algum interesse ao mistério do passado de Jack Reacher, tentando meter-lhe uma filha pelo meio, pode dar algum assunto durante um bocado, mas antes do meio do filme, já toda a gente percebeu onde é que a história vai parar e tudo serve apenas para Danika Yarosh (Samantha) ir espalhando o seu charme adolescente.


Não é com adaptações destas que a produtora vai recuperar o investimento feito nas histórias originais - de que eu não gosto particularmente, mas que só conheço duas ou três, já nem me lembro! Ainda por cima, na sequência de uma primeira tentativa (muito) bem sucedida, o que faz com que esta segunda tentativa seja ainda mais decepcionante.