sábado, março 21, 2020

E NO FIM CASAM-SE

 Teoria do Caos: CRÉDITOS COMPLETOS


Vamos já esclarecer quem é o realizador Marcos Siega: filmou episódios de, por exemplo, "Sangue Fresco", "Casos Arquivados", "Diário do Vampiro" ou "Dexter", fez tele-discos para os Anthrax, Blink 182 ou Sistem of a Down e este "Chaos Theory" parece ser a sua única longa metragem. Com tanta experiência em tv e música, se há coisa que ele sabe é reduzir o lixo, eliminar tempos mortos, manter o ritmo que prenda o espectador. Essa é a principal característica deste filme: não chateia.


Se juntarmos a Marcos Siega o argumentista Daniel Taplitz, também ele especialista em tv, com a mesma noção de ritmo, de cortar exageros, de ser directo, então temos um filme que funciona como uma colagem de tele-discos em pequenas histórias que se vão cruzando, mantendo o espectador agarrado ao ecrã sem saber bem o que pode acontecer a seguir. Essa é a outra característica de "Chaos Theory": um argumento intrincado, com surpresas a todo o instante.


Depois temos os actores Ryan Reynolds e Emily Mortimore, os personagens Frank Allen e Susan, que não fazendo uma representação que possa valer um Óscar, parecem estar à vontade e divertir-se nos papeis que desempenham, têm química quer quando estão juntos, quer quando contracenam com os personagens secundários. Essa é a terceira característica do filme: honestidade e divertimento.


O filme começa e acaba com um casamento, mas isso nem é importante, porque quem se vai casar é indiferente para a história, que se centra em Frank Allen, marido e pai, um fanático dos dias organizados, com o tempo todo controlado e o dia a dia assente em listas de coisas a fazer. Só que a vida age por si própria e um dia tudo sai fora da linha, com uma série de peripécias a dar-lhe a volta ao controle e à rotina.


O argumento de Daniel Taplitz envolve-se num drama familiar que se desenrola num emaranhado de surpresas e mal-entendidos, deixando o espectador suspenso em várias situações que, quando parecem resolvidas, ficam bloqueadas por uma nova reviravolta. Embora possa ser considerado uma comédia romântica, "Chaos Theory" não deixa de usar certas técnicas de suspanse hitchcockianas, sempre a chamar a lágrima ao canto do olho, à boa maneira spielberguiana.


Há muita gente que diz não gostasr de comédias românticas, porque já sabemos como vai acabar. Isso é absolutamente verdade em "Chaos Theory", até porque começa logo no casamento, portanto podemos antecipar imediatamente como vai terminar. Só que até esse final já previsto, o espectador vai ter de desenrolar um enorme novelo de perípécias e reviravoltas surpreendentes. 

sexta-feira, março 20, 2020

ORIGINAL PARA QUÊ?

CRÉDITOS COMPLETOS

O realizador Oriol Paulo é um mestre de argumentos com surpresas e reviravoltas, pelo que este "Durante la tormenta" não foge à regra. Depois de "Contra Tempo" de 2016 - que, com os seus 25 milhões de receita na China, se tornou o maior boxoffice espanhol no estrangeiro -, e de "El Cuerpo" de 2012, o director traz em 2018 um filme de ficção-científica, que é, ao mesmo tempo, um romance e um thriller.


Há uma tempestade que se repete 25 anos depois, há um crime, há uma criança que morre, há uma mulher que consegue viajar no tempo, tentando alterar o passado. Só que alterar o passado altera o futuro e Vera Roy (Adriana Ugarte) vê-se envolvida numa série de surpresas e mal entendidos na sua própria vida.


Eu sei que "Efeito Borboleta"  - apenas como exemplo - veio logo à vossa memória. Mas se há coisa que "Durante la tormenta" não procura, é ser original. Isso não lhe retira nada de interesse. Começa devagar, sem ser imediatamente óbvio o - ou "os" - tema central, passando a passos cada vez mais rápidos, sempre introduzindo surpresas, nunca deixando que o espectador se sinta confortável no que pode vir a seguir.


"Durante la tormente" é, acima de tudo, um filme honesto, nunca renunciado às suas influências, acenando com as colagens com orgulho e emotividade. De "Regresso ao Futuro" ao já citado "Efeito Borboleta", passando por "Poltergeist" ou "Peggy Sue Casou-se", Oriol Paulo mete tudo no mesmo saco e faz uma obra interessante e apelativa. Não é muito original, é certo, mas esse acaba por ser o seu maior trunfo.


Não sendo um produto low-cost como "El Cuerpo", não é uma superprodução. Tem uma gestão eficiente dos meios de que dispõe, mantendo-se naquele nível de cinema independente que está longe das fortunas de Hollywood. Depois dos milhões de "Contra Tempo", Oriol Paulo tem direito a um certo desafogo no orçamento, é verdade, mas não há desperdícios em "Durante la tormenta", ninguém se mete em aventuras exageradas, tudo é gasto exactamento onde tem de ser.


Este é um daqueles filmes que, no final, agradecemos por ter ficado em casa. Vale cada minuto, deixa o espectador colado à história e às surpresas que vão chegando quase a cada instante. "Durante la tormenta" é um cocktail para apreciadores de policiais, de romances ou de ficção-científica. Não é o melhor filme do mundo, mas é o melhor do mundo num só filme.

quarta-feira, março 18, 2020

TÃO LIMPINHO, QUE CHATEIA



ELENCO COMPLETO

Peguei neste "Only" depois da desilusão que foi "Joker" e para fugir às grandes produções de Hollywood. Um filme independente, premiado em 2019 pelo Tribeca Film Festival, parecia ser a aposta certa para os tempos que se avizinham. Mas este filme falha em toda a linha. É uma produção cuidada, com actores que representam sufucuentemente bem para serem crediveis, muitas cenas em exterirores - o que representa sempre um custo acrescido, que os contabilistas não perdoam -, mas depois é tão previsível, tão certinho, tão limpinho, que se torna aborrecido e desinteressante.


Um cometa liberta um estranho vírus, que dizima todas as mulheres do planeta. Um jovem casal decide esconder-se, embarcando numa viagem onde acabam por ser as próprias vitimas do seu isolamento. As interpretações não são desinteressantes e o realizador Takashi Doscher não faz um mau trabalho, mas nessa procura tão desesperada de não desiludir, o filme acaba por ser vítima da limpeza e da esterilização.


O lado mais positivo do filme está na química entre Eva (Freida Pinto) e Will (Leslie Odom Jr.), que realmentye parecem um casal apaixonado, suportando-se tanto nos momentos bons como maus. Na verdade, parecem numa relação real; o lado mis negativo - e já não falo dos erros de lógica, como o facto de Eva querer parecer um rapaz, e passar o filme sem cortar o cabelo! - o lado mais negativo, dizia eu, é precisamente o medo de falhar, o medo de correr o risco de ir um passo mais longe.


"Only" é um daqueles filmes que até dá pena de dizer mal. É um filme feito com epenho, com profissionalismo, com carinho, por todas as partes que o compõem, a interpretação, a produção, a realização... Mas depois, procurando uma esterilização artificial, que o torne imune às ameaças exteriores, acaba por perder-se na sua própria perfeição aparente.


Ao contrário do vírus que ataca a Terra, "Only" é um filme inócuo. Feito com cuidado, mas inofensivo, sem ritmo que apele ao espectador e com o suspense - se era para ter - mal gerido. Cada cena é duma previsibilidade desencorajamte e o final antecipa-se ao fim de 15 ou 20 minutos depois do começo. É uma pena. A dedicação de todos, merecia melhor resultado final.

quinta-feira, março 12, 2020

"PURO EXERCÍCIO DE NINGUÉM"

Natália Correia, "A Defesa do Poeta"

ELENCO COMPLETO
 

Por vários motivos, entre os quais, apenas deixar assentar a poeira, só agora decidi pegar em "Joker". Durante a exibição, o verso de Natália Correia veio-me à memória. Mais que uma história sobre o personagem dos comics, este filme é um exercício de interpretação de Joaquin Phoenix, sob a direcção de Todd Phillips. Resta saber quem foi o verdadeiro maestro da orquestra, se o actor, se o realizador. É, no entanto, uma visão plausível sobre a origem do arqui-inimigo de Batman.


Seja qual for a intenção do espectador, fã de comics ou fã de actores exibicionistas, este "Joker" é um filme intenso. Uma alegoria sobre a solidão, sobre pessoas inadaptadas, sobre o que é a normalidade, enfim, uma metáfora sobre a sociedade em geral, da qual Gotham é, ela própria, uma espécie de holograma.


O filme conta a história de Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), um comediante falhado com problemas mentais, e da sua descida ao inferno, levando-o a uma espiral de crime e sangue. É, nem mais nem menos, o inicio e a origem do personagem criado por Bill Finger e Bob Kane para a DC Comics e que viria a ser (quase) tão famoso como o justiceiro do morcego. Tem, como primeira curiosidade, acrescentar história à saga de Batman.


Se retirarmos do filme toda a carga dramática da (excelente, diga-se) interpretação do actor principal, fica uma espécie de vazio. Alimentado por toda uma discução acerca de valores morais, nihilismo, mesmo de má-fé, "Joker" esvazia-se como um balão furado quando nos concentramos no cinema puro e simples. Fica muito pouco para o dia seguinte, embora nada disso lhe retire o reconhecimento de uma produção cuidada, uma realização metódica, uma banda sonora adequada, uma fotografia de grande qualidade.


Um filme tem, acima de tudo, de ter uma atitude, senão de provovação, no mínimo de coerência com a sua história, tem de estimular a imaginação do espectador, chamá-lo para algum sitio. Centrado no seu umbigo, "Joker" nunca consegue tirar a plateia da própria cadeira, não passa de um desbobinar de 24 imagens por segundo numa parede iluminada. Como li algures, "tem medo da sua própria sombra".


Vamos ser claros: não há nada de errado com a possibilidade desta história ser "colada" ao personagem dos comics. É uma origem, como já disse, plausível, aceitável e coerente. Nessa perspectiva, "Joker" não tem problema nenhum. Só que  vai aborrecer muita gente - a mim aborreceu-me! -, ao mesmo tempo que vai fazer outra tanta dar pulos de êxtase perante a performance de Joaquin Phoenix. Mas visto de forma clara e fria, o filme é como o seu personagem, que ri tão alto e desajustadamente, que mais ninguém consegue rir-se. É um exercício louco e inadaptado, um palhaço a contrato, quase sempre desempregado.

quarta-feira, março 11, 2020

GT40 OU O CLICHÊ DA VELOCIDADE

"Le Mans '66: O Duelo": ELENCO COMPLETO

Eu gosto de corridas de automóveis e de filmes sobre corridas de automóveis. Gostei do "Grand Prix" de 1966 com James Gamer e Yves Montand, gostei do "Les Mans" de 1971 com Steve McQueen e Siegfried Rauch, gostei do "Dias de Tempestade"  de 1990 com Tom Cruise e Robert Duvall, enfim, eu gosto de corridas de automóveis e de filmes sobre corridas de automóveis. Por isso, gostei deste "Ford v Ferrari".


Nos anos 60, as mais importantes provas desportivas que envolvessem automóveis eram dominadas pelos carros europeus, em especial os italianos Ferrari, Alfa-Romeo ou Maserati. Para fazer frente a uma grave crise económica, a americana Ford decide investir num departamento de corridas, de onde acabou por sair o mitico GT40, uma máquina que acabou com a supermacia da marca do cavalinho na mais mediática corrida de carros do mundo: as 24 horas de Les Mans.


É verdade que este "Ford v Ferrari" não passa duma colagem de clichês sobre filmes de corridas de automóveis: as dificuldaees da engenharia e da mecânica, sons de motores e câmaras ao nível do chão para aumentar a sensação de velocidade, planos de mãos sobre a manete das mudanças, pilotos rebeldes que se revelam a melhor opção, mesmo contra os departamentos de advogados e de marketing. Está tudo aqui e nem vale a pena assobiar para o lado.


Este é um filme de coisas já vistas, é um filme sobre pura velocidade e para quem gosta de pura velocidade, mesmo que, pelo meio, tente introduzir algum humor - como a viagem a Itália dos representantes da Ford, por exemplo -, ou algum romance - como a relação entre Ken (Christian Bale) e Mollie (Caltriona Balfe). Mas tudo isso é pólvora seca no meio do asfalto, a mais de 300 quilómetros por hora.


Como disse no inicio, eu gostei de "Ford v Ferrari". Manteve-me entretido durante uma hora e meia, contando-me uma história sobre um tema que eu gosto. Isso não vai fazer dele nem um grande filme, nem algo interessante para quem não tem interesse pelas corridas de automóveis e pelos automóveis de corrida. Não há nada de novo aqui. Só velocidade, engenharia, destreza de condução  e máquinas, belas, é certo, mas apenas máquinas.

quinta-feira, outubro 17, 2019

SALADA NETFLIX

In The Shadow Of The Moon: ELENCO COMPLETO




Locke (Boyd Holbrook) é um policia de rua com ambições de se tornar detective, oportunidade que surge na aparente solução do caso de um serial-killer. No entanto, esse caso irá revestir-se de contornos misteriosos, que o levarão numa espiral que irá por em causa vidas próximas e relações familiares.

Dito assim, de forma simples e directa, parece um enfadonho "já vi isto". Mas o principal problema de "In The Shadow Of The Moon" não é a vulgaridade. O principal problema é a ligação entre todos os elementos que o filme tenta representar: o drama familiar, o policial e a ficção-científica.


Como todas as produções da Netflix, também aqui salta à vista a grande qualidade de imagem - própria para ser vista em formato digital - e a cuidada produção. Os actores fazem o seu papel sem nada de exuberante mas de forma competente, e Jim Mockle - especialista em câmaras e efeitos visuais - dirige o filme de forma discreta, deixando a história respirar sem grandes complicações.


"In The Shadow Of The Moon" vê-se sem enfado, apesar de estar ali mesmo na fronteira entre um bom filme e um trabalho a roçar o impróprio. Tem momentos de pura vulgaridade - com cenas quase copiadas a papel químico e já vistas e revistas -, que o colocam no abismo de querer ser mais do que realmente é. Talvez o uso abusivo de clichés pretenda ser uma marca de estilo - mas é preciso muito mais para chegar aos calcanhares de Quentin Tarantino.


Não há dúvida que este é um filme que merece ser visto numa tarde de  chuva, enroscado no sofá. É fácil de criticar pela sua excessiva ambição e pela quantidade de elementos que o compõem, mas não deixa de ser um bom entretenimento, produzido com o cuidado necessário para respeitar o espectador.

segunda-feira, julho 02, 2018

ENTRE O INTERESSE E O DEJÁ VU

CRÉDITOS COMPLETOS

Não faltam no cinema histórias de estranguladores a atacar meninas em desespero, a maioria deles de qualidade duvidosa e como veiculo para servir cenas de jovens em topless. Há, por outro lado, exemplos de excelência, no topo dos quais coloco "Frenzy" de Alfred Hitchcock e o seu Robert Rusk que aterrorizava Londres de gravata na mão. Mas há mais: "The Hillside Strangler" de Cuck Parello, precedido em 1989 pela série de TV "The Case of the Hillside Stranglers" de Steve Gethers, ou o negro "The Boston Strangler" de Richard Fleischer, com Tony Curtis e Henry Fonda a brilhar como nunca. Não esquecer ainda que uma das cenas mais famosas de "Halloween" de John Carpenter é a morte da bela Lynda, às mãos de Michael Meyrs, que apesar de preferir brincar com facas, decide usar a corda do telefone para a sua vitima seminua e de camisa aberta.


É por tudo isto que um filme como "A Martifüi Rém" (traduzido para o inglês como "Strangled") corre o risco de passar completamente despercebido ou, o que é ainda pior, ser olhado de lado como mais um "despacha beldades de mamas à mostra", pelo que passou directamente para as prateleiras do clube de vídeo, se é que alguma vez teve a mais pequena oportunidade numa sala de cinema em Portugal, por mais obscura que seja.


O principal defeito de "A Martifüi Rém" é as inúmeras referências que lhe vêem coladas e às quais nunca renuncia, assumindo-as como suas sem pudor. O realizador Árpád Sopsits faz uma pilhagem descarada a todas as cenas que o cinema já nos mostrou antes, mistura-as, agita-as em cocktail e devolve-nos tudo tal e qual como já tínhamos visto anteriormente. À primeira vista, não há nada de novo aqui, apenas a história (neste caso, verdadeira) de um psicopata que se excita a estrangular mulheres - literalmente, neste filme especifico.


Mas este filme também tem qualidades e a principal é a honestidade de não querer parecer o que não é, fazendo com que o espectador nunca se sinta enganado. Durante toda a acção, os actores desempenham um papel que representam honestamente, sem brilhantismo mas com sinceridade, o realizador não se mete onde não deve, dirigindo honestamente uma produção que não tem nada mais a desejar do que o que está à vista. É uma obra que faz jus ao ditado português que "quem dá o que tem, a mais não é obrigado".


Por outro lado, a simplicidade: parco de recursos - pelo menos para os padrões a que estamos habituados -, o filme consegue criar um interesse inusitado na investigação policial, apesar da história nos ser contada em flash-back pelo próprio assassino, o que, vendo bem as coisas, anula qualquer sensação de suspense. Apesar disso, os espectadores que gostam de juntar pedaços de pistas não ficarão desiludidos com o desenrolar da acção, olhada do ponto de vista da equipa de inspectores.


"A Martifüi Rém" irá desagradar a alguns: é um óbvio dejá vu; irá, no entanto, agradar a muitos: os que gostam de juntar peças de puzzles e os que gostam de simples histórias de "stalkers" e serial-killers. Afinal, é uma excelente alternativa à massificada produção americana, servida por uma realização competente e por actores empenhados.

sexta-feira, maio 11, 2018

UM RESTAURO DE PROFISSIONAIS

A Agente Vermelha: CRÉDITOS COMPLETOS

Há duas premissas que devem, desde já, ficar estabelecidas nesta pequena crónica: a primeira, diz respeito à obra de Jason Matthews, que nunca li, mas, tanto quanto sei, é extremamente complexa; a segunda, diz respeito a Jennifer Lawrence - a revolucionária Katniss Everdeen da série "The Hunger Games", a teimosa Ree de "Despojos de Inverno" ou a assustada Elissa de "A Casa do Fim da Rua". Por muito mau que qualquer filme possa ser, com ela no ecrã serão sempre duas horas de prazer, só por olhar.


Claro que aquela última parte é uma brincadeira, mas este vosso humilde escriba não é de ferro, até porque, verdade verdadinha, "Red Sparrow" é notavelmente interessante. Enquanto Francis Lawrence se tenta libertar das amarras de "The Hunger Games" - coisa que Peter Jackson, por exemplo, nunca conseguiu em relação a "O Senhor dos Aneis" -, Justin Haythe consegue um argumento, mesmo que adaptado, consistente e o grupo de actores, apesar de vários nomes sonantes do universo hollywoodesco, está aqui de corpo e alma, representado o seu papel de forma convincente.


As guerras de espiões entre russos e americanos são antigas e a politica actual volta a alimentar casos de guerra fria com novos interesses e mistérios renovados. "Red Sparrow" não deixa de navegar na onda de suspeitas e medos que alimentam as noticias de hoje, escarrapachadas em todas as primeiras páginas dos jornais e aberturas de noticiários de TV: Dominika Egorova (Jennifer Lawrence), bailarina russa, é contratada pelos serviços secretos da Rússia, para seduzir e apoderar-se dos segredos do agente da CIA, Nate Nash (Joel Edgerton). Tão simples como isto.


O que surpreende no filme, é como Francis Lawrence, recorrendo a um argumentista engenhoso e a um conjunto de actores excelente, faz uma obra interessante e apelativa, com ritmo e suspense, a partir de uma premissa já mais que gasta no cinema e na literatura. O que poderia ser um continuado bocejo, um tortuoso déjà vu, parece novo ou devidamente restaurado. O espectador embrenha-se e segue interessado toda a acção, como se estivesse perante um original luminoso.


E a verdade é que tudo isto é conseguido sem serem precisas grandes correrias, bastando uma velocidade de cruzeiro aparentemente lenta, mas que, por isso mesmo, deixa que as pequenas surpresas rebentem na cara da plateia com mais estrondo. Como um carro de alta potência que, mesmo em marcha lenta, exibe todas as potencialidades que parece esconder. Quando a acção de "Red Sparrow" dá a impressão de estar a estagnar, Francis Lawrence mete uma mudança abaixo e dispara sem que a concorrência consiga segura-lo. Depois volta a (quase) parar para deleite do condutor, que deixou os adversários lá atrás, a uma distância considerável.


Sim, é verdade que eu, pessoalmente, tenho um fraquinho por Jennifer Lawrence - assumo -, mas não é por isso que "Red Sparrow" vale a pena, até porque, como se lembram, não tive problema em torcer o nariz a "Joy" lá para os idos 2016. Não. Este filme é uma versão restaurada das velhas histórias de espiões, das antigas guerras entre russos e americanos, só que é um restauro feito por profissionais de elevadíssima competência. Uma obra nova - ou renovada, se preferirem - a partir de cacos velhos.

terça-feira, maio 08, 2018

PARA LÁ DO MURO

As Vidas dos Outros: CRÉDITOS COMPLETOS

O muro que dividiu Berlim até 1989 é uma excelente metáfora para este "Das Leben der Anderen", um filme com 12 anos, que não cabe na luta de bilheteiras das produções Nexflix e Amazon. Esta é uma obra que joga noutro campeonato, que se cola à pele do espectador para toda a vida, vinda das mãos de Florian Henckel von Donnersmarck, que depois de aliciado por Hollywood, nos trouxe um dos mais interessantes (não necessariamente "melhores") "tiro neles" dos últimos tempos: "O Turista", com Angelina Jolie e Johnny Depp.


Vencedor do Óscar para melhor filme estrangeiro e nomeado para os Globos de Ouro em 2007 e vencedor do Prémio de Cinema Europeu em 2006, "Das Leben der Anderen" coloca o espectador na posição de espreitar pela fechadura da intimidade dos outros, como uma criança, como "O Vigilante" de Francis Ford Coppola ou "Blow Out - Explosão" de Brian De Palma só que enquanto Harry, do primeiro, e Jack, do segundo, tinham um propósito concreto, o agente Wiesler (Ulrich Mühe) de Donnersmarck deixa-se envolver numa teia de voyerismo (quase) sem sentido.


Na Alemanha Democrática de 1984, o escritor Georg Dreyman (Sebastian Koch) é alvo de vigilância discreta mas apertada da Stasi. Essa vigilância, liderada pelo competente agente Gerd Wiesler, vai acabar por obcecar o investigador, não necessariamente pelos motivos inicialmente previstos, mas porque alguém sem vida se intrometeu na vida de alguém com existência - se é que me faço perceber...


Embora Florian Henckel von Donnersmarck não renuncie a expor os métodos e os podres da velha Alemanha comunista, "Das Leben der Anderen" não é obviamente um filme politico, no sentido em que o regime serve apenas de pano de fundo para explicar o fundamento da acção. Esta é uma obra existencialista, que põe em confronto a vida de duas pessoas e é nesse sentido que toda a trama se desenrola. A obsessão do Partido por Dreyman não se deve às suas actividades subversivas, mas por o encarar como um rival entre a bela Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck).


"Das Leben der Anderen" é ao mesmo tempo feroz e glamoroso, negro e luminoso, feliz e infeliz. Uma experiência que se pode contrapor ao sorridente "Adeus, Lenin!" de Wolfgang Becker. Será sentimentalista? Será humanista? Seja como for, é uma luz ao fundo do túnel, no sentido em que, mesmo sob os regimes mais rigorosos, o mais tecnocrata dos cidadãos pode revelar pequenas centelhas de rebelião e emocionar-se com um sussurro de prazer.