quinta-feira, março 12, 2020

"PURO EXERCÍCIO DE NINGUÉM"

Natália Correia, "A Defesa do Poeta"

ELENCO COMPLETO
 

Por vários motivos, entre os quais, apenas deixar assentar a poeira, só agora decidi pegar em "Joker". Durante a exibição, o verso de Natália Correia veio-me à memória. Mais que uma história sobre o personagem dos comics, este filme é um exercício de interpretação de Joaquin Phoenix, sob a direcção de Todd Phillips. Resta saber quem foi o verdadeiro maestro da orquestra, se o actor, se o realizador. É, no entanto, uma visão plausível sobre a origem do arqui-inimigo de Batman.


Seja qual for a intenção do espectador, fã de comics ou fã de actores exibicionistas, este "Joker" é um filme intenso. Uma alegoria sobre a solidão, sobre pessoas inadaptadas, sobre o que é a normalidade, enfim, uma metáfora sobre a sociedade em geral, da qual Gotham é, ela própria, uma espécie de holograma.


O filme conta a história de Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), um comediante falhado com problemas mentais, e da sua descida ao inferno, levando-o a uma espiral de crime e sangue. É, nem mais nem menos, o inicio e a origem do personagem criado por Bill Finger e Bob Kane para a DC Comics e que viria a ser (quase) tão famoso como o justiceiro do morcego. Tem, como primeira curiosidade, acrescentar história à saga de Batman.


Se retirarmos do filme toda a carga dramática da (excelente, diga-se) interpretação do actor principal, fica uma espécie de vazio. Alimentado por toda uma discução acerca de valores morais, nihilismo, mesmo de má-fé, "Joker" esvazia-se como um balão furado quando nos concentramos no cinema puro e simples. Fica muito pouco para o dia seguinte, embora nada disso lhe retire o reconhecimento de uma produção cuidada, uma realização metódica, uma banda sonora adequada, uma fotografia de grande qualidade.


Um filme tem, acima de tudo, de ter uma atitude, senão de provovação, no mínimo de coerência com a sua história, tem de estimular a imaginação do espectador, chamá-lo para algum sitio. Centrado no seu umbigo, "Joker" nunca consegue tirar a plateia da própria cadeira, não passa de um desbobinar de 24 imagens por segundo numa parede iluminada. Como li algures, "tem medo da sua própria sombra".


Vamos ser claros: não há nada de errado com a possibilidade desta história ser "colada" ao personagem dos comics. É uma origem, como já disse, plausível, aceitável e coerente. Nessa perspectiva, "Joker" não tem problema nenhum. Só que  vai aborrecer muita gente - a mim aborreceu-me! -, ao mesmo tempo que vai fazer outra tanta dar pulos de êxtase perante a performance de Joaquin Phoenix. Mas visto de forma clara e fria, o filme é como o seu personagem, que ri tão alto e desajustadamente, que mais ninguém consegue rir-se. É um exercício louco e inadaptado, um palhaço a contrato, quase sempre desempregado.

Sem comentários: