"About Ray" tem, logo à partida, uma vantagem: abordar um tema fraturante de forma inteligente, sem esquecer o divertimento. Pode parecer uma contradição, mas não fazer drama acerca dum assunto tão delicado, como a opção de mudar de sexo - ainda por cima, num (ou "numa"?) adolescente de 16 anos -, parece-me a melhor forma de tratar um assunto complexo.
Este é um filme checoslovaco, com o título espanhol de "Tres Generaciones", filmado em Nova York, com atores americanos. Logo durante o genérico, percebemos que é coisa séria: Linda Emond, Susan Saradon, Noami Watts, todas elas à volta duma fantástica Elle Fanning. Mas a diretora Gaby Dellal não se intimida com o elenco e comanda as tropas de forma brilhante.
Ray (Elle Flanning) nasceu rapariga, mas quer ser rapaz. Vive no seio duma família (aparentemente) algo disfuncional, com avó lésbica e mãe solteira. Nada de novo, portanto, parece assunto de inúmeras obras já filmadas. Só que o pai de Ray está ausente deste circulo familiar há demasiados anos e é preciso encontra-lo, para que seja concedida a devida autorização para a operação de mudança de sexo da (ou "do"?) adolescente.
É a partir daqui que "About Ray" revela um sentido de humor fabuloso, sem nunca deixar de tratar o assunto de forma profunda. Os personagens são psicologicamente bem conseguidos, os diálogos são inteligentes e os atores sabem bem o que se espera deles, em cada uma das situações em que são colocados. Os argumentistas Gaby Dellal e Nikole Beckwith sabem o que fazer da história, sem nunca perder a boa disposição - aquela que não provoca gargalhadas sonoras, mas antes um sorriso permanente, mais interior que exterior.
Como disse no principio, "About Ray" é sobre assuntos sérios, tratados de forma divertida, nunca esquecendo que seriedade e humor são dois lados da mesma moeda. Tem humor, sem nunca perder o respeito. A situação de Ray é dramática e deve ser tratada com inteligência. Este filme nunca se esquece disso.
Não sei se todos vão gostar tanto do filme como eu. "About Ray" não é uma aventura, é um drama psicológico; não é uma comédia - mesmo que faça rir em muitas situações -, é um filme profundo e sério. Às vezes o espetador pode não saber o que esperar ou o que sentir. É um filme sobre confrontos: de convicções e de valores morais.