terça-feira, março 28, 2017

DIFERENTES PERSPECTIVAS

Aliados: CRÉDITOS COMPLETOS
 
"Allied" é um daqueles filmes que pode ser um romance, um filme de guerra, um thriller, ou um simples filme de espiões, com os habituais bons de um lado e maus do outro. Em qualquer das perspectivas, é um excelente momento de cinema, com todos os ingredientes dos diferentes pontos de vista muito bem misturados e apresentados num produto completo e acabado.


Claro que as interpretações de Brad Pitt (Max Vatan) e Marion Cotillard (Marianne Beauséjour) ajudam muito à qualidade final do filme, mas não é de desprezar o excelente argumento de Steven Knight - consistente e com suspense - e a sóbria, mas eficaz, realização de Robert Zemeckis, que mais uma vez constrói uma história tecnicamente irrepreensível.


Os que me conhecem melhor, dirão que o facto de ser um filme de Zemeckis tem muita influência no meu gosto pessoal. É verdade e não tenho como argumentar contra isso. Este realizador deu-nos alguns dos melhores e mais divertidos pedaços de cinema das últimas décadas, desde "Quem Tramou Roger Rabbit?" a "O Naufrago", passando pelos "Regresso ao Futuro", apenas como exemplo.


Mas "Allied" é muito mais que realização. É um excelente filme de espionagem, que não renuncia a nenhuma das outras perspectivas, sendo também um excelente romance, ao mesmo tempo que é um excelente filme de guerra. Mesmo quando as mentes mais perversas vêem referencias constantes a "Casablanca" - para muitos, o melhor filme de todos os tempos -, este filme risse-lhes na cara e são exatamente essas referências que faz questão de mostrar e sublinhar.


"Allied" é um filme linear, sem reviravoltas nem piruetas. Vai a direito na história que está a contar: um típico produto de Hollywood, para mentes descansadas passarem duas horas no cinema sem confusões.  Mas isso não lhe retira um pingo de interesse. No final, os bons ganham e os maus perdem, como tem de ser numa história para crianças. Mas sejamos claros: nada consegue arrasar mesmo um conto infantil, quando ele é bem contado.

quarta-feira, março 22, 2017

ANTIBUROCRATAS DE TODO O MUNDO, UNI-VOS!...

Eu, Daniel Blake: CRÉDITOS COMPLETOS

"I, Daniel Blake" é um filme brilhante a todos os títulos. Tipicamente inglês, é essencialmente suportado por atores brilhantes, uma reconstituição de cenas impecável e uma naturalidade desconcertante no desenvolvimento da ação. Fazendo uso dos habituais planos quase estáticos, as cenas desenvolvem-se através de interações marcantes e de diálogos lógicos e coerentes.



Daniel Blake (Dave Johns) teve um ataque cardíaco e pretende reformar-se. Por isso, vê-se de repente emaranhado na teia burocrática dos serviços públicos, numa aventura digna do kafkiano Josef K. Nas suas deambulações pelo submundo dos papeis, conhece Katie (Hayley Squires), uma mãe solteira igualmente perdida no labirinto dos gabinetes oficiais. Entre os dois, vai desenvolver-se uma amizade cúmplice.


Esta história, escrita por Paul Laverty e realizada por Ken Loach, rapidamente poderia cair naquela comédia fácil, que faria o filme não passar de mais uma brincadeira sem sentido. Em vez disso, as piadas são inteligentes, os atores são convincentes e convictos do que estão a fazer, transformando tudo numa brilhante critica ao sistema inglês, que, afinal, não é tão diferente daquele que todos nós conhecemos. Essa é a primeira vantagem do filme: a naturalidade com que o espetador percebe que ele próprio poderia ser qualquer um dos personagens.


"I, Daniel Black" deveria ser obrigatoriamente visto não só pelo público - que, certamente, se irá identificar com os personagens -, mas também pelas próprias autoridades, que se sentirão retratadas de forma convincente, sem caricaturas, percebendo exatamente como nos sentimos quando nos perdemos na teia da burocracia oficial, sem piadas inúteis nem cenas exageradas.


Este filme até pode ser um murro no estômago do espetador, mas é principalmente uma chapada de luva branca no sistema politico. É um brilhante manifesto antiburocrático, o reconhecimento de que a era digital "por defeito" está desadequada e é discriminatória "por natureza". "Eles vão-te enlouquecer", diz um vizinho, "Vão fazer-te sentir tão infeliz quanto possível, para desistires. É a chave para não os chateares!" Esta é a premissa de todo o filme.


"I, Daniel Blake" é um filme emotivo, sobre um sistema rígido, incapaz de se adaptar às necessidades dos cidadão que diz servir,  e que, na realidade, os aprisiona numa teia de leis e decisões tomadas em gabinetes, longe da prática real das pessoas. Daniel Blake somos todos nós, o "outro" de que Heidegger falava, não impessoal e difuso, mas aquele que importa na vida de cada um e que, na realidade, faz toda a diferença existencial.


segunda-feira, março 20, 2017

MISTÉRIO NA TERRA DOS ALL BLACKS

"Prefiro não ser ninguém num lugar qualquer, que ser alguém em lugar nenhum"

Um Refúgio no Passado: CRÉDITOS COMPLETOS

A filmografia neo zelandeza não é exatamente conhecida em Portugal, daí o facto deste filme ter passado quase diretamente para o mercado de vídeo. E, no entanto, é um excelente thriller, que começa por parecer um simples drama familiar, mas que de repente fica impregnado duma maravilhosa tensão policial. Um excelente exemplar de como se constrói um mistério envolvente.


"In My Father's Den" é um filme lento, daqueles que é necessária paciência para o ver desenrolar-se à nossa frente. Não tem grandes cenas de ação nem aventuras explosivas. É um drama psicológico - principalmente na perspetiva do espetador - e leva essa premissa às últimas consequências. É preciso gostar da cadeira onde estamos sentados, para apreciar o desenvolvimento da história.


A partir de um argumento aparentemente vulgar - o regresso a casa do filho afastado à longos anos, que vai desenterrar um passado que seria melhor ficar escondido -, Brad McGann realiza um filme cheio de suspense e mistério, que arrasta o espetador através duma pequena vila da Nova Zelândia, onde a novidade é sempre esperada, mas temida quando realmente aparece.


Paul Prior (Mattew Macfadyen) é correspondente de guerra de jornais ingleses de tiragem mundial, candidato a prémios internacionais. Após a morte do seu pai, regressa a casa, onde trava amizade com Penny (Miranda Otto), filha adolescente de uma ex-namorada. A partir daqui, vai criar-se uma teia de revelações, mistérios e suspeitas, que fazem o espetador ficar preso no ecrã durante duas horas.


Não fazendo uso de qualquer fogo de artificio - tão típico de Hollywood para esconder as suas mediocridades -, "In My Father's Den" é um filme que precisa de tempo para ver a história desenvolver-se, criar a sua sofisticada teia de intriga. Depois, é impossível resistir-lhe. É um daqueles casos em que ficamos com a sensação de que, o que vimos na tela, fica colado em nós, mesmo depois de abandonarmos o cinema.

domingo, março 19, 2017

ENTRE OS MORTOS E OS FANTASMAS

Inquietos: CRÉDITOS COMPLETOS

Gus Van Sant dá-nos em "Restless" um dos mais fantásticos pedaços de cinema desde há muito tempo. Duma simplicidade desconcertante, este filme é uma facada nas costas a todos os dramas sobre a morte e a vida com prazo de validade. É a demonstração óbvia de que não é preciso levar pacotes de lenços, para assistir a um drama sobre a impossibilidade do amor eterno.



Enoch (Henry Hopper), que perdeu os pais, vive com a tia, tem como amigo imaginário o fantasma de um kamikaze japonês (Ryo Kase) e gosta de assistir a funerais de desconhecidos. É aí que conhece Annabel (Mia Wasikowska) e "Restless" vai seguir o percurso destes dois adolescentes durante três curtos meses. Como e porquê se relacionam, as suas ambições e os seus dramas.


Como não se metem em aventuras rocambolescas, a realização, tocante e sensível,  funciona apenas como um terceiro no meio das deambulações dos protagonistas, sem interferir, sem influenciar, sem manipular, apenas um mero ponto de vista sobre as idas e vindas dos personagens, que são absolutamente convincentes.


O argumento de Jason Lew não deixa de ser inquietante. A morte é uma presença central, uma espada colocada sobre as cabeças dos personagens, de tal forma, que influencia o espetador, transmitindo-lhe uma pressão quase insuportável sobre o olhar. São Enoch e Annabel que dão à plateia uma leveza insustentável, mas sem nunca conseguirem verdadeiramente fazer esquecer o centro do vulcão.


"Restless" tem de ser um filme obrigatório para todos os que gostam de dramas, românticos ou não, realizado por um dos filhos favoritos de Cannes. É um filme sobre a obsessão da morte, retratada por Enoch, e a obsessão da vida, retratada por Annabel. É um filme quase convencional, é certo, mas de uma beleza simples e sem sofisticação, o que lhe confere uma honestidade cativante.

FALTA DE "SALERO"

CRÉDITOS COMPLETOS


A maior parte dos espetadores mais atentos, vão-se perguntar o que é que falha em "The Black Balloon". É um filme feito com competência, bem interpretado, com uma história atraente... E, no entanto, parece nunca sair do mesmo sitio, com se estivesse num infinito ponto morto, que não o leva a nenhum lugar especifico. Falta-lhe "sal" ou, como diriam os flamencos, falta-lhe "salero", que é uma mistura entre ritmo, melodia e sensualidade.


"The Black Balloon" conta a história de Thomas (Rhys Wakefield), que tudo o que quer é ser um adolescente normal. Mas um irmão autista profundo, Charlie (Luke Ford) faz com a sua vida seja um fracasso completo no que diz respeito ao amor e à amizade com raparigas, o que parece ir mudar com a sua nova amiga Jackie (Gemma Ward). Este é o centro do que Elissa Down decide realizar com uma sensibilidade que só uma mulher conseguiria encontrar.


Luke Ford está impressionante na composição de Charlie, porque nunca é fácil representar alguém com deficiência, e, vendo bem, nenhum dos outros atores está particularmente mal. Têm empatia entre si, relacionam-se de forma interessante, mas depois tudo acaba numa coisa superficial e estéril, como se soubessem onde estão, mas nunca soubessem para onde ir.


O filme acaba por arrastar-se entre uma história familiar que começa e acaba no mesmo sitio e um romance de amor que começa de forma pouco natural e segue sem intensidade. E, no entanto, em ambos os casos, há pano para mangas, assim Elissa Down soubesse tirar o sumo do material que tem entre mãos.


Mesmo que o espetador se sinta atraído pelo problema da família que cuida de um doente profundo, ou do irmão cuja vida parece amarrada ao problema de casa, sem se conseguir libertar mesmo que o queira, a verdade é que no seu conjunto, o filme não desenvolve nenhum dos temas de forma coerente, deixando tudo em águas de bacalhau.


E apesar de não ser necessariamente mau - por alguma razão vem multipremiado em vários festivais, incluindo o prestigiado Festival Internacional de Cinema de Berlim -,  "The Black Balloon" tem a possibilidade de ser excelente, mas não consegue passar de suficiente. Como aqueles alunos que passam o fim de semana a estudar, sabem tudo na ponta da língua, e depois, nas exatas duas horas do exame, não conseguem colocar no papel da prova toda a matéria que têm na cabeça.

sexta-feira, março 17, 2017

BALANÇAR NO VAZIO

Nunca Me Deixes: CRÉDITOS COMPLETOS

"Never Let Me Go" é um filme fantasticamente desconcertante, que deixa qualquer um a cair no vazio sem nenhum ponto de apoio, como Kaos caiu sem fim da "Teogonia" de Hsíodo. Com a diferença que Kaos acabou por encontrar Gaia, enquanto aqui, o espetador é deixado sozinho para resolver um problema sem solução, fica solitariamente a digerir uma das histórias mais esmagadoras que me foram dado ver em cinema.

 

Nunca li a novela original de Kazuo Ishiguro - e depois de ver este filme, tenho dúvidas que tenha estômago para a ler!... - mas sei que Alex Garland escreveu um argumento absolutamente arrebatador e, ao mesmo tempo, esmagador, sobre a história de três amigos e do seu relacionamento peculiar, enquanto crescem através da infância até à idade adulta.


Não restem dúvidas que "Never Let Me Go" é um filme de ficção cientifica, mesmo que nos sejam oferecidas datas de referência em cada parte da história, que colocam o espetador nos anos 60 e 70,  mas nunca sabemos com exatidão onde estamos, embora os automóveis tenham volante à direita, portanto calculamos sempre que nos situamos algures nas Ilhas Britânicas.



O filme é um exemplar maravilhoso de como os ingleses fazem cinema: impecavelmente representado, com um cuidado extremo na reconstituição de cada local e de cada cena. Tudo parece planeado ao mais infimo pormenor, mas com uma naturalidade inigualável no resultado final. Tudo funciona na perfeição, desde a música à realização. Cada momento é um todo, em que cada um participa de corpo e alma.



Como quase sempre, Keira Knightley (Ruth) é brilhante e Andrew Garfield (Tommy) não lhe fica atrás, mas a grande estrela é Carey Mulligan (Kathy), a narradora e, de certa forma, o personagem central da história, no sentido em que é o fio condutor dos diversos momentos. Os três compõem uma brilhante descida ao inferno da infelicidade, que é precisamente onde "Never Let Me Go" se sente como peixe na água.


Aconselho o uso de um poderoso antiácido para o estômago, porque esta hora e meia de cinema vai deixar muita azia. É um filme que incomoda, feito para provocar um efeito depressivo e esmagador. "Never Let Me Go" não é sobre felicidade e esperança,  a começar por todo o ambiente que envolve os personagens até à forma como o realizador Mark Romanek vai contando a história, arrastando o espetador para um beco sem saída.

UMA FANTÁSTICA VIAGEM NO TEMPO

A Mulher do Viajante no Tempo: CRÉDITOS COMPLETOS

"The Time Traveler's Wife" é considerado um dos livros fundamentais da ficção cientifica do século 21 e este filme é um romance brilhante, baseado num livro brilhante, interpretado por atores brilhantes. É um daqueles filmes que é obrigatório que tivesse sido feito, apesar da história das viagens no tempo estar repleta de outras obras igualmente brilhantes.


Se o filme e o livro são realmente de ficção cientifica, não é discussão que nos interesse para aqui; e se o filme é melhor ou pior que o livro, muito menos. "The Time Traveler's Wife" é uma hora e meia do melhor cinema que se pode assistir, sejamos ou não amantes de histórias de antecipação ou de histórias de amor. Podem-se queixar de algumas partes interessantes do livro não estarem aqui - como a desastrosa relação de Claire com Gomez (Ron Livingston) e a influência que isso tem em Henry (Eric Bana) -, mas o filme não é o livro. Aceitem-no.


Rachel McAdams (Claire) e Eric Bana são fantásticos um com o outro e com os personagens que interpretam e o resto do elenco só pode não parecer tão fantástico, por causa dos dois atores principais. Além disso, o argumentista Bruce Joel Rubin - lembram-se de "Ghost"?... - pega num best seller e não inventa, tentando seguir o mais possível à risca o que já tinha sido bem feito, limando aqui e ali, deitando fora quando desnecessário para o filme.


O filme não procura responder a todas as questões, pelo que tem inúmeras incongruências e lacunas lógicas, mas afinal, quem é que quer que um romance seja a perfeição das vicissitudes da vida? Para isso, basta a vida ela própria, que parece ter de encaixar como um puzzle. "The Time Traveler's Wife" é uma fantasia e nas fantasias tudo é possível, como aparecer nu em qualquer lado e haver sempre cobertores por perto, ou uma loja de roupa, para poder ser assaltada.


Quem gostar de romances, tem um enorme filme sobre a premissa de "nunca deixar nada por dizer"; quem gostar de ficção científica, também tem um enorme filme sobre o drama de poder e querer, ou não, saber o futuro. Em ambos os casos, ninguém deve deixar esta obre para trás. Se já tiverem lido o livro, aceitem sem pestanejar o que a película tem para oferecer da fonte de inspiração original; se não tiverem lido o livro, corram à livraria mais próxima e não o percam, antes ou depois de irem ao cinema. Tanto faz!

quinta-feira, março 16, 2017

A SÉRIE 'B' SABE DE APOCALIPSE

CRÉDITOS COMPLETOS

"These Final Hours" tinha tudo para correr mal, mas acaba por ser uma fantástica lição de simplicidade e eficiência. Poucos recursos, atores desconhecidos, argumento vulgar... Às primeiras imagens já sabemos que é um "série B", pouco depois percebemos que é o Apocalipse. Nada mais batido e "déjà vu".


O fim do mundo tem hora marcada - embora as razões nunca sejam exatamente claras, parece ser devido ao choque de um meteoro - e James (Nathan Philips) decide participar na última festa. Até lá chegar, cruza-se com Rose (Angourie Rice) uma menina perdida, à procura do pai. Este encontro vai mudar a curta vida que resta a ambos.


Fazendo uso de uma premissa comum, a loucura generalizada da toda a sociedade, perante a possibilidade da aniquilação, Zak Hilditch escreve e realiza um filme com um pulsar muito próprio, cheio de energia e vitalidade, usando os poucos recursos que tem de forma precisa. Não necessita de grandes efeitos porque o mais importante está nos personagens e na forma como se relacionam.


O cinema australiano tem os seus altos e baixos - ultimamente mais baixos que altos - e muitos espetadores podem desistir deste filme sem lhe darem sequer uma oportunidade. É tudo o que não devem fazer. "These Final Hours" merece toda a atenção. Faz uso de uma técnica brilhante para fugir à tentação do terror simples e evita as escorregadelas morais e julgamentos superficiais.


É um filme sobre pessoas à beira do fim, no limite da sanidade e em desespero profundo. A cena da menina a correr atrás do carro, despedindo-se do seu salvador mas, ao mesmo tempo, esperando pela morte, é uma exemplo do que este filme parece quer representar: mesmo perante a redenção, não há salvação.

sexta-feira, março 03, 2017

MERECIA MELHOR SORTE

CRÉDITOS COMPLETOS
 

"Watercolor Postcards" merecia melhor sorte, porque é um filme que fala de coisas boas, de amor, de amizade, de família, de vida e de esperança. Mas depois é composto por uma série de vulgaridades que deitam tudo a perder: os atores representam - o que é o pior que se pode dizer de um ator!... - e o realizador realiza - o que é o mesmo que andar por ali atrás das coisas.


A pequena Bailee Madison (Cotton) exagera e torna-se pouco credível, Laura Bell Bundy (Sunny) tenta, mas parece-nos sempre distante da ex-famosa que deixou para trás, John C. McGinley (Merlin) vai atrás das vulgaridades que o rodeiam. Talvez se salve um ou outro desempenho - não desgostei de Jonathan Banks (Ledball) ou do policia Paul Sanchez, mas no conjunto o filme é pobre.


A história de Conrad Goode tem tudo para dar certo, fala da redenção do futuro a partir duma nova visão do passado, mas Rajeev Dassani nunca encontra realmente o caminho que o pode salvar. O espetador sente-se sempre distante dos personagens, que afinal estão a querer dizer coisas importantes, que realmente interessam, mas parecem perdidos num papel que não lhes pertence.


Enquanto via o filme, pensava na história nas mãos de alguém com arte e engenho para filmar com outra competência. E isso não é o pior que se pode dizer de um casting? Pensava que estava perante um filme interessante, cujo drama me cativava, mas que estava a ser destroçado por um conjunto de pessoas desinteressadas.


"Watercolor Postcards" fala de coisas importantes, de sonhos que se realizam, do amor pelas coisas insignificantes, de amigos, de "abrir janelas, quando se fecham portas". É um filme que devia merecer a pena ser visto, porque é um momento da vida de todos e de cada um. É uma pena que se tenha perdido num emaranhado de vulgaridades.

quinta-feira, março 02, 2017

FAZER CONTAS

Acerto de Contas: CRÉDITOS COMPLETOS

A profissão de contabilista (em Portugal chama-se "contabilista certificado") deve ser a mais desinteressante e monótona que qualquer pessoa pode escolher. Eu sei porque sou contabilista. É por isso que este "The Accountant" me chamou a atenção. No entanto, este é um policial bem entusiasmante, bem construído, com uma história que mantém o espetador preso ao ecrã.



Rapidamente poderia transformar-se em mais um "tiro neles" sem acrescentar nada ao género, mas a verdade é que vai desenrolando a meada com interesse, com uma história simples mas convincente, que faz uso de vários flash-backs para integrar a plateia no contexto do personagem, sem perder o fio à trama central e acrescentando-lhe conteúdo.


Christian Wolff (Ben Affleck) é autista e a sua aptidão para números e padrões, tornaram-no um contabilista de excelência, que usa um pequeno negócio local como fachada, para trabalhar com alguns dos mais perigosos traficantes do mundo, ajudando-os a lavar dinheiro sujo. Dito assim, parece um dejá vu mais que batido. Engano


Gavin O'Connor pega num argumento de Bill Dubuque e faz um interessante filme de ação, equilibrado entre uma história policial e de vingança, com a habitual rapariga a precisar de ser protegida (Anna Kemdrick, no papel de Danna Cummings, cuja atenção às contas irá despoletar toda a trama) e umas reviravoltas familiares que nunca estão a mais nem fora de sitio. Isto tudo, com os serviços financeiros do FBI atrás de tal personagem fugidio, que, devido à sua competência, é solicitado constantemente.


Claro que eu tinha preferido uma Anna Kendrick mais presente, primeiro, porque a sua breve, mas decisiva, presença, ilumina todo o ecrã e, segundo, porque em certo sentido, acaba por ser ela todo o fundamento dos acontecimentos. Mas nem isso é motivo para menosprezar este filme. Está bem equilibrado entre o drama e a aventura, com os momentos de tensão muito bem equivalentes aos momentos de drama simples.


"The Accountant" não faz uso de reviravoltas surpreendentes, embora também as tenha - é um cliché difícil de evitar -, preferindo andar para trás e para a frente no tempo, para dar ao espetador as pistas que o podem surpreender. Consegue quase sempre. É um filme bem entretido, sem precisar de muito fogo de artificio para fazer um bom policial com ação - mais "ação" que "policial", é certo, mas acaba por nem ser um defeito.