Eu, Daniel Blake: CRÉDITOS COMPLETOS |
"I, Daniel Blake" é um filme brilhante a todos os títulos. Tipicamente inglês, é essencialmente suportado por atores brilhantes, uma reconstituição de cenas impecável e uma naturalidade desconcertante no desenvolvimento da ação. Fazendo uso dos habituais planos quase estáticos, as cenas desenvolvem-se através de interações marcantes e de diálogos lógicos e coerentes.
Daniel Blake (Dave Johns) teve um ataque cardíaco e pretende reformar-se. Por isso, vê-se de repente emaranhado na teia burocrática dos serviços públicos, numa aventura digna do kafkiano Josef K. Nas suas deambulações pelo submundo dos papeis, conhece Katie (Hayley Squires), uma mãe solteira igualmente perdida no labirinto dos gabinetes oficiais. Entre os dois, vai desenvolver-se uma amizade cúmplice.
Esta história, escrita por Paul Laverty e realizada por Ken Loach, rapidamente poderia cair naquela comédia fácil, que faria o filme não passar de mais uma brincadeira sem sentido. Em vez disso, as piadas são inteligentes, os atores são convincentes e convictos do que estão a fazer, transformando tudo numa brilhante critica ao sistema inglês, que, afinal, não é tão diferente daquele que todos nós conhecemos. Essa é a primeira vantagem do filme: a naturalidade com que o espetador percebe que ele próprio poderia ser qualquer um dos personagens.
"I, Daniel Black" deveria ser obrigatoriamente visto não só pelo público - que, certamente, se irá identificar com os personagens -, mas também pelas próprias autoridades, que se sentirão retratadas de forma convincente, sem caricaturas, percebendo exatamente como nos sentimos quando nos perdemos na teia da burocracia oficial, sem piadas inúteis nem cenas exageradas.
Este filme até pode ser um murro no estômago do espetador, mas é principalmente uma chapada de luva branca no sistema politico. É um brilhante manifesto antiburocrático, o reconhecimento de que a era digital "por defeito" está desadequada e é discriminatória "por natureza". "Eles vão-te enlouquecer", diz um vizinho, "Vão fazer-te sentir tão infeliz quanto possível, para desistires. É a chave para não os chateares!" Esta é a premissa de todo o filme.
"I, Daniel Blake" é um filme emotivo, sobre um sistema rígido, incapaz de se adaptar às necessidades dos cidadão que diz servir, e que, na realidade, os aprisiona numa teia de leis e decisões tomadas em gabinetes, longe da prática real das pessoas. Daniel Blake somos todos nós, o "outro" de que Heidegger falava, não impessoal e difuso, mas aquele que importa na vida de cada um e que, na realidade, faz toda a diferença existencial.