Pergunto-me frequentemente, o que faz um filme ser de tal forma atraente, que nos faz querer regressar a ele de tempos a tempos, como um imã que atrai o metal? Até porque "Lost In Translation" - vá-se lá saber porquê, estupidamente traduzido para português por "O Amor é um Lugar Estranho" -, não tem ação, não tem cenas surpreendentes, não tem episódios escaldantes. É apenas uma história de dois personagens que se cruzam acidentalmente, nos corredores dum hotel, numa cidade estranha.
Os que já me conhecem, dirão que tem Scarlett Johansson (Charlotte), mas posso já adiantar que é muito mais que isso, até porque ela não faria qualquer sentido sem Bill Murray (Bob Harris), porque é apenas na companhia um do outro que os seus personagens conseguem desbravar um pouco da solidão que os atormenta. Uma solidão que tem muito mais a ver com um deserto interior que com a falta de companhia exterior.
Quer Bob quer Charlotte, cada um à sua maneira, estão perdidos numa cidade superpovoada, rodeados de gente cuja língua não entendem e isso poderia ser motivo suficiente para se ligarem. Mas com o desenrolar do filme, percebemos que a sua empatia tem muito mais a ver com a falta de sentido, aquele sentido que nos move na vida - não na cidade, que essa tem setas com indicações. Talvez pareça que, para um, é mais tarde que para o outro, mas nem isso parece afetá-los na relação privada.
"Lost in Translation" é nitidamente um romance. Mas é precisamente por poder não o ser, que consegue manipular o espetador ao ponto de ele nunca saber o que pode esperar, mesmo que cedo se perceba que não pode esperar muito, ou nada. Sofia Coppola abandona a parte dianteira do cinema e coloca-se definitivamente no lugar para onde parece ter nascido: o de realizadora. Depois do fantástico "As Virgens Suicidas", vai buscar inspiração ao ADN paterno e dá uma lição de direção a muitos nomes mais velhos e mais experientes.
Muito poucos filmes nos fazem pensar para além do seu fim, o que não é necessariamente mau. O cinema pode ser puro entretenimento e há grandes obras nesse aspeto particular e há muitos espetadores que os preferem assim. É justo. Só que "Lost in Translation" é todo sobre sentimento e pensamento. É uma experiência humana sobre o amor, a solidão, e a vida; é tudo sobre desencontros e a necessidade existencial de os transformar em algo novo, para podermos seguir em frente com as nossas mais profundas experiências.
Poucos filmes me "atingiram" como "Lost in Translation" e o termo "atingir" tem aqui um sentido muito positivo; podia dizer que poucos filmes me proporcionaram tanto prazer como este, mas poderia parecer perverso, já que é um filme triste na sua mais profunda essência - isto apesar de várias cenas com piada e alguns diálogos irónicos; a verdade é que esta é uma obra bela e simples, guiada por pensamentos interessantes, escrito, realizado e representado com inteligência, daquela que não precisa de ser exibida, apenas paira no ar como a atmosfera.