quarta-feira, setembro 28, 2016

SÓ PODE SER BOM


Um filme que começa com uma música dos Talking Heads, só pode ser bom. Mais: um filme que começa com uma música dos Talking Heads e tem Tom Hanks como ator principal, só pode ser melhor ainda. Dito isto, vamos ao que interessa: à primeira vista, "A Hologram For The King" tem pouco interesse na sua história de base (a partir dum livro de Dave Eggers, que não conheço) e, nesse particular, não engana: parece que nada importante vai sair dali!


 Mas depois, Tom Tykwer (o mesmo de "Cloud Atlas" ou "Perfume - História de um Assassino") consegue um filme cativante, que faz o espetador não tirar os olhos do ecrã. Ligeiro, aventuroso, sem entrar em grandes conflitos com o choque de culturas - que seria tema principal para outros realizadores -, a história vai andando interessante, sem aborrecer. Esse é o principal mérito do filme: ser (apenas) uma sessão de entretenimento competente.

 Sem se aventurar muito na cultura muçulmana e nas suas características próprias - sem, no entanto, deixar de as fazer notar -, Tykwer tenta ser o mais politicamente correto possível, sem ofender susceptibilidades. Em certos momentos, Alan (Tom Hanks) pode sentir-se perdido no labirinto cultural da Arábia Saudita, vista pelos olhos dum americano médio, mas acaba sempre por encontrar uma saída airosa e que agrada a ambas as partes.


Pode-se dizer que ninguém mais, além de Hanks, poderia fazer este filme interessante. Não deixo de concordar. O ator entra no jogo do realizador, de não ser muito inoportuno ou ofensivo, e faz o seu papel na perfeição. O filme deve tudo à sua estrela principal e à mestria do seu diretor. O resto, parece tudo secundário.


Muita gente vai abandonar este filme com muita facilidade. Não tem sexo, não tem violência, não tem nudez, não tem nada daquilo que costuma vender bilhetes. É um filme à primeira vista desinteressante, com uma história à primeira vista desinteressante e sobre um tema à primeira vista desinteressante. Mas, afinal, não é: é interessante do simples ponto de vista de passar uma boa hora e meia, sem aborrecer e sem levantar ondas.

segunda-feira, setembro 19, 2016

GALERIA MARLING

Por uma razão qualquer, a que só o acaso sabe responder, num curto espaço de tempo, vi vários filmes com a mesma atriz: Brit Marling.

Another Earth (2011)


E o que é que isso tem de extraordinário? Perguntarão vocês, primeiro, porque eu nem sou de ganhar especial afeição por atores em particular - com algumas exceções, como Jack Nicholson e Jodie Foster - e, segundo, porque hoje em dia o cinema vive em especial de um punhado de interpretes que, com maior ou menor frequência, se repetem nos ecrãs até à exaustão.

Posthumous (2014)
O que tem de especial é a consistência com que Brit Marling representa os seus papeis, ao mesmo tempo que assume funções de escritora em, pelo menos, dois dos filmes vistos. Tudo com uma desenvoltura brilhante, sem muito fogo de artificio, mas com uma competência - quer como atriz, quer como argumentista - de fazer inveja a muito atorzeco, talvez mais mediático, mas certamente menos interessante.

I Origins (2014)
Todos os filmes que vi eram, de uma maneira ou de outra, direta ou indiretamente, romances, no sentido em que tratavam de relações pessoais, mas não necessariamente sobre o velho tema de "rapaz conhece rapariga". No entanto, fosse quais fossem as voltas que se desse, tratavam-se de filmes sobre o amor, sobre a paixão e sobre como uma pessoa em particular nos pode afetar de forma definitiva para o resto das nossas vidas.

The East (2013)
Quer a cientista brilhante de "I Origins" - mais tarde, esposa solidária -, quer a criminosa acidental - em vários sentidos da palavra - de "Another Earth", quer a jornalista frustrada de "Posthumous", quer a agente infiltrada de "The East", têm em comum serem personagens consistentes, credíveis e que criam empatia com o espetador. E isso é muito mais do que se pode dizer de alguns atores que vemos com mais espalhafato e com mais holofotes apontados.

Posthumous

Talvez se lhe possa apontar (ainda) não ter atingido uma performance que iguale Jack Nicholson em "Voando Sobre Um Ninho de Cucos" ou Jodie Foster em "A Estranha em Mim" - apenas como exemplos e para ficarmos restritos aos atores que falei lá atrás -, pelo menos nos filmes aqui referidos. Mas é óbvio que essa excelência está latente. Duma forma menos exuberante, talvez, mas nem por isso menos fascinante.

Another Earth



domingo, setembro 18, 2016

O GRITO DO PAVÃO ALBINO

"- Porquê tanto empenho a provar que Deus não existe?
- Mas já alguém provou que existe?!"


Vamos já por os pontos nos "i's": adorei este filme. "I Origins" - um trocadilho que, em relação ao tema do filme, só faz sentido em inglês e torna  (quase) impossível a tradução para português - é um romance. Um filme que conta uma história de amor, que como já disse algures lá para trás, é perfeitamente previsível a caminho dum final pré-estabelecido. O que faz um bom ou um mau filme, é a capacidade de ir surpreendendo o espetador ao longo da história. Há previsibilidades mais previsíveis que outras!...




Depois, olhando uma segunda vez, "I Origins" é muito mais que a história de amor "em si". É, na verdade, uma guerra de convicções, nas quais, a partir de certo momento, o espetador é deixado sozinho para tomar as suas próprias decisões.


Este filme não vai bater recordes de bilheteira, nem vai figurar na lista dos melhores filmes da vida de quem o vir. É, no entanto, um belo exercício de inteligência hollywoodesca. Uma demonstração cientifica, de como é possível fazer um excelente filme, desde que se junte um grupo de atores empenhados, que acreditem no que estão a fazer, e uma direção competente.


 Mike Cahill caiu do céu para escrever e realizar um filme interessantíssimo. Não porque tenha um ritmo elevado, com peripécias recambolescas, mas porque sabe contar uma história de forma cinematográfica, revelando o que tem interesse e pondo der lado o lixo, que, afinal, serve para encher o olho - uma brincadeira com o tema do filme! -, mas que, no fim, não serve para a nada, a não ser queimar película - coisa que, fora da era digital, valia muito dinheiro e não era para desperdiçar!


Acima de tudo, este filme é interessante, intrigante e, sem querer introduzir-me nas convicções pessoais, é revelador - seja qual for a forma como cada um entende este termo. Não foi só um dos melhores filmes que vi este ano (apesar de já ter dois anos, mas nunca é tarde para nos arrependermos, não é?), mas é um dos filmes que vou juntar a uma pequena galeria de "ver novamente".