NOMADLAND: SOBREVIVER NA AMÉRICA: Créditos completos | |
Para começar, tenho a dizer-vos que não devem completar os dedos das duas mãos, as vezes que eu e a Academia de Hollywood estivemos de acordo, mas agora, em dois anos consecutivos, na busca desesperada pelo politicamente correcto, o senhor Óscar deixou-me desarmado, ao premiar um sul coreano e uma chinesa, não conseguindo discordar que eram dos melhores filmes desse ano.
Em 2017, com “The Rider”, Chloé Zhao já nos tinha dado uma amostra do que seria capaz, mas é com “Nomadland” e com a ajuda de Frances McDormand – uma das actrizes por quem eu tenho mais respeito e admiração, só para que conste -, que nos leva ao paraíso. E aquele “fazer as pazes” inicial é uma metáfora perfeita para este filme, que nos fala precisamente de alguém na busca de fazer as pazes, consigo, com o passado e, como mote principal do filme, com a América que não vemos nas grandes produções de Hollywood.
Durante a crise, a viúva Fern (Frances McDormand) perde tudo, do marido à casa, passando pelo emprego e pela pequena cidade onde vivia – que simplesmente desaparece do mapa -, iniciando uma viagem nómada de caravana – mais uma carrinha adaptada, para ser preciso – a quem chama de “Vangard”. Sem casa – diferente de “sem abrigo” -, Fern penetra num território de vagabundos, inadaptados, descrentes, numa viagem que a faz (re)pensar o passado e (quem sabe?) projectar o futuro.
Chloé Zhao funciona aqui muito mais como documentarista que como realizadora, fazendo um filme gentil, por um lado, mas profundamente intrigante por outro, e a performance de Frances McDormand - compondo um personagem tanto solitário como solidário, deprimido mas obcessivamente optimista -, podendo não ser a melhor da sua carreira, não deve andar lá muito longe, mesmo que não nos saia da cabeça a Marge de “Fargo” ou a Mildred de “Três Cartazes à Beira da Estrada”.
Vamos aqui deixar de fora o livro de Jessica Burder “Nomadland: sobreviver na América do século XXI”, que não li e nem sabia que existia até ver este filme, mas o certo é que podemos encontrar referências implícitas nesta obra de Chloé Zhao, de “Uma História Simples” de David Lynch a “Alice nas Cidades” de Wim Wenders, ambos sobre personagens à procura de fazer as pazes com o passado ou com pessoas que deixaram para trás.
Isto que não nos desvie a atenção do que “Nomadland” tem de melhor e mais original: uma misteriosa ficção documental sobre uma América desconhecida, povoada por personagens consumidos por percas profundas e incompatibilidades impossíveis de conciliar com um quotidiano comum, mas, ao mesmo tempo, sobre uma estrada aberta para o futuro, ao volante duma carrinha chamada “Vangard”.