domingo, março 19, 2017

ENTRE OS MORTOS E OS FANTASMAS

Inquietos: CRÉDITOS COMPLETOS

Gus Van Sant dá-nos em "Restless" um dos mais fantásticos pedaços de cinema desde há muito tempo. Duma simplicidade desconcertante, este filme é uma facada nas costas a todos os dramas sobre a morte e a vida com prazo de validade. É a demonstração óbvia de que não é preciso levar pacotes de lenços, para assistir a um drama sobre a impossibilidade do amor eterno.



Enoch (Henry Hopper), que perdeu os pais, vive com a tia, tem como amigo imaginário o fantasma de um kamikaze japonês (Ryo Kase) e gosta de assistir a funerais de desconhecidos. É aí que conhece Annabel (Mia Wasikowska) e "Restless" vai seguir o percurso destes dois adolescentes durante três curtos meses. Como e porquê se relacionam, as suas ambições e os seus dramas.


Como não se metem em aventuras rocambolescas, a realização, tocante e sensível,  funciona apenas como um terceiro no meio das deambulações dos protagonistas, sem interferir, sem influenciar, sem manipular, apenas um mero ponto de vista sobre as idas e vindas dos personagens, que são absolutamente convincentes.


O argumento de Jason Lew não deixa de ser inquietante. A morte é uma presença central, uma espada colocada sobre as cabeças dos personagens, de tal forma, que influencia o espetador, transmitindo-lhe uma pressão quase insuportável sobre o olhar. São Enoch e Annabel que dão à plateia uma leveza insustentável, mas sem nunca conseguirem verdadeiramente fazer esquecer o centro do vulcão.


"Restless" tem de ser um filme obrigatório para todos os que gostam de dramas, românticos ou não, realizado por um dos filhos favoritos de Cannes. É um filme sobre a obsessão da morte, retratada por Enoch, e a obsessão da vida, retratada por Annabel. É um filme quase convencional, é certo, mas de uma beleza simples e sem sofisticação, o que lhe confere uma honestidade cativante.

FALTA DE "SALERO"

CRÉDITOS COMPLETOS


A maior parte dos espetadores mais atentos, vão-se perguntar o que é que falha em "The Black Balloon". É um filme feito com competência, bem interpretado, com uma história atraente... E, no entanto, parece nunca sair do mesmo sitio, com se estivesse num infinito ponto morto, que não o leva a nenhum lugar especifico. Falta-lhe "sal" ou, como diriam os flamencos, falta-lhe "salero", que é uma mistura entre ritmo, melodia e sensualidade.


"The Black Balloon" conta a história de Thomas (Rhys Wakefield), que tudo o que quer é ser um adolescente normal. Mas um irmão autista profundo, Charlie (Luke Ford) faz com a sua vida seja um fracasso completo no que diz respeito ao amor e à amizade com raparigas, o que parece ir mudar com a sua nova amiga Jackie (Gemma Ward). Este é o centro do que Elissa Down decide realizar com uma sensibilidade que só uma mulher conseguiria encontrar.


Luke Ford está impressionante na composição de Charlie, porque nunca é fácil representar alguém com deficiência, e, vendo bem, nenhum dos outros atores está particularmente mal. Têm empatia entre si, relacionam-se de forma interessante, mas depois tudo acaba numa coisa superficial e estéril, como se soubessem onde estão, mas nunca soubessem para onde ir.


O filme acaba por arrastar-se entre uma história familiar que começa e acaba no mesmo sitio e um romance de amor que começa de forma pouco natural e segue sem intensidade. E, no entanto, em ambos os casos, há pano para mangas, assim Elissa Down soubesse tirar o sumo do material que tem entre mãos.


Mesmo que o espetador se sinta atraído pelo problema da família que cuida de um doente profundo, ou do irmão cuja vida parece amarrada ao problema de casa, sem se conseguir libertar mesmo que o queira, a verdade é que no seu conjunto, o filme não desenvolve nenhum dos temas de forma coerente, deixando tudo em águas de bacalhau.


E apesar de não ser necessariamente mau - por alguma razão vem multipremiado em vários festivais, incluindo o prestigiado Festival Internacional de Cinema de Berlim -,  "The Black Balloon" tem a possibilidade de ser excelente, mas não consegue passar de suficiente. Como aqueles alunos que passam o fim de semana a estudar, sabem tudo na ponta da língua, e depois, nas exatas duas horas do exame, não conseguem colocar no papel da prova toda a matéria que têm na cabeça.