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"A Ghost Story" é um daqueles filmes que vai dividir plateias. Se tem o defeito de aflorar as questões superficialmente, tem, por outro lado, a qualidade de fazer as perguntas - o que, segundo o grego Sócrates, era o passo mais difícil. Talvez muitos se lembrem facilmente de "Ghost" de 1990, realizado por Jerry Zucker, com Patrick Swayze e Demi Moore, mas a mim fez-me muito mais recordar "A Viagem de Chihiro", a animação de Hayao Miyazaky de 2001.
A capa parece uma brincadeira infantil para a noite das bruxas, mas conforme o filme vai avançando, percebemos que estamos a trilhar um labirinto de humor cuidadosamente elaborado. David Lowery não deixa nada ao acaso, é de extremo cuidado na elaboração dos planos, dos sons, dos diálogos, e nem o facto de ter escolhido Casey Affleck ("C") e Rooney Mara ("M") - cuja empatia já tinha sido posta à prova em "Amor Fora da Lei", do mesmo Lowery -, nem a escolha dos actores, dizia eu, pode ser considerada uma coincidência.
"C" morre num acidente fatal, deixando "M" numa profunda solidão, só que regressa dos mortos, envolto num enorme lençol branco com dois grandes buracos negros no sitio dos olhos. Esta é toda a história do filme. É a partir daqui que David Lowery tece uma história sobre a vida, a morte, o outro e a sua importância na nossa existência. Como se todo o tempo que perdemos a ler "Ser e Tempo" de Heidegger, se resumisse a uma piada - inteligente, apesar de tudo, mas mesmo assim uma piada - de hora e meia, com um fantasma de Halloween.
Como disse ao principio, o principal defeito de "A Ghost Story" é não se arriscar em respostas às questões que levanta, deixando um sabor amargo naqueles que acham que todos os problemas têm de ter uma conclusão. Esquecem-se que as respostas são muitas vezes dogmáticas e ditatoriais, e dogmas e ditaduras são, por si, antípodas da Filosofia. Mas a sua maior qualidade é não ter truques baixos para distrair o espectador: não usa efeitos especiais, não faz fumo onde não há fogo. É a verdade nua e crua, como a morte.
"A Ghost Story" é um romance (quase) silencioso e, nessa perspectiva, é um filme esmagador. Feito com um profissionalismo exemplar, cuidadosamente realizado, editado e representado, com um humor negro absolutamente delicioso e de onde emana um enorme prazer nos diversos componentes da obra. Tudo e todos estão ali no sitio certo, no momento certo e cada coisa encaixa no lugar que lhe pertence. A inevitabilidade da morte é um tema complicado, pode perfeitamente ser tratado com o mesmo sem-sentido da arbitrariedade da causa que a provocou.
Já o disse: este é um filme para dividir plateias. Afinal, pode ser apenas mais uma história de casas assombradas, uma versão intelectual de "Amityville". Mesmo assim, encarado neste ponto de vista simples, resta saber se as casas amaldiçoadas podem ser deitadas abaixo e se os fantasmas continuam a habitar o fantasma da própria casa.