domingo, dezembro 17, 2017

A ARTE DA VINGÂNÇA

CRÉDITOS COMPLETOS

Fui para "M.F.A." sem quaisquer expectativas. Apenas uma tarde de tédio sem nada para fazer e escolhe-se uma sala de cinema para passar o tempo vazio. Várias razões fizeram-me decidir por este e não por outro qualquer: ser essencialmente um filme feminino (Natalia Leite, a realizadora, Leah McKendric, a argumentista, e Francesca Eastwood, a actriz principal) e o facto de ser dirigido por alguém que fala português - Natalia Leite é brasileira, nascida em São Paulo.


O cinema está repleto de vingadores, de Charles Bronson a Jodie Foster e Natalia Leite sabia bem que não tinha muito de novo para apresentar. Por isso decidiu-se pelo mais simples, contar a história sem grandes piruetas, ir pela estrada mais curta sem se meter em atalhos. É por isso que o filme ganha uma dimensão avassaladora, investe em profundidade, como uma pintura que ganha uma nova perspectiva com as sombras e a luz, que transformam em 3 dimensões um quadro que, na realidade, só tem duas.


Noelle (Francesca Eastwood), tímida estudante de arte, é violada numa festa. A partir daí, transformada numa nova mulher e numa nova artista, inicia uma implacável vingança, sabendo que o silêncio e a hipocrisia fazem parte da vida académica, quando se trata de esconder e calar casos semelhantes. "M.F.A." é, logo à partida, um grito contra um status quo instalado na vida universitária, que reprime as vitimas, salvaguardando os agressores.


Natalia Leite afirmou numa entrevista que ela própria foi estudante de arte e ela própria foi vitima de violação, sofrendo na pele o silêncio dos que a rodeavam. Talvez por isso o filme tenha uma carga emocional tão poderosa. À superfície de um thriller de "série B", esconde-se um grito de censura às autoridades académicas e policiais, que tratam com ligeireza e desdém casos frequentes de violência sexual entre estudantes, com a desculpa de proteger o bom nome de instituições e de alunos.


"M.F.A.", apesar das expectativas, é um filme para se ver com atenção, descomplicado, directo, bem dirigido e bem interpretado. Um thriller pontuado pelos habituais clichés do género, sem nada de novo ao primeiro olhar, mas com ritmo, sem tempo perdido a fazer-se passar pelo que não é, e com orçamento obviamente limitado mas com todos os cêntimos gastos com critério e no lugar e no tempo certos.


O que começou por ser uma tarde de tédio, acabou num excelente exemplo de cinema. Num ano em que se gastaram milhões em guerras nas estrelas ou em planetas fantásticos - alguns com evidente desperdício de recursos e de criatividade -, "M.F.A." levanta bem alto o sangue quente da cinefilia de excelência, aquela que conta para uma tarde bem passada no escurinho do cinema.

PRESO EM POSSIBILIDADES

Juntos À Força: CRÉDITOS COMPLETOS


A ideia central de "#Stuck" (vá-se lá saber o porque do hashtag!...) não é particularmente original: uma noite de copos e sexo ocasional que acaba em romance sério, mas a ideia particular deste filme é interessante; Madeline Zima (Holly) e Joel David Moore (Guy) nem vão particularmente mal; então, porque é que há qualquer coisa que falha no conjunto?


O realizador e argumentista Stuart Archer tenta desesperadamente parecer original, onde lhe bastava apenas seguir o instinto, onde lhe bastava simplificar em vez de complicar. "#Stuck" não é totalmente desinteressante, mas o uso constante de flash-backs para contar a história do dia anterior, alguns deles totalmente ridículos e desadequados, quebra o ritmo e distrai o espectador.


Como comédia é inteligente, mas o pretenciosismo com que o exibe acaba por estragar a simplicidade com que devia ser apresentada. Zima e Moore têm empatia, a maioria dos diálogos são bem conseguidos, a ideia geral é apelativa. Mas Stuart Archer que acaba por desconjuntar o puzzle, fazendo o que não lhe é pedido: distrai a plateia com o secundário.


"#Stuck" não é uma total perca de tempo, apesar de ser o espectador que se vai sentir preso no filme, mais que Holly e Guy se sentem presos no trânsito. O filme é curto e devia ser directo, mas o pouco tempo parece estender-se mais que o necessário, como uma fila de trânsito, daquelas que tendem a aparecer precisamente quando temos mais pressa.


Já aqui falámos de várias comédias românticas, algumas delas tão fáceis que surpreenderam por isso mesmo. Este filme tem na mão todas as possibilidades, uma ideia interessante e actores devidamente competentes. Mas depois esbanja-as em qualquer coisa que não encaixa completamente, como se lhe faltasse uma peça, como se ficasse a meio do caminho, preso no trânsito que não vai a lado nenhum.