sexta-feira, abril 03, 2020

MAIS PLATÃO, MENOS H. G. WELLS

O "anel de Giges", Platão, "A República", Livro II

O Homem Invisível: CRÉDITOS COMPLETOS

Quando, cerca de 450 anos antes de Cristo, Platão escreveu a alegoria do "anel de Giges" sobre o homem justo e bom, não imaginaria o campo que iria deixar para a ficção-científica e o fantástico dos autores posteriores, dos quais "O Homem Invísivel" de H. G. Well e "O Senhor dos Aneis" de J. R. R. Tolkien são apenas os mais mediáticos. Esse fascínio humano de poder não ser visto e praticar todas as acções que a sua imaginação ditasse, mantêm-se no nosso sub-consciente como um martelo.


A novela de H. G. Well já deu origem a inúmeros filmes, séries, curtas, produtos e sub-produtos, dos quais "O Homem Transparente" de 2000, com Kevin Bacon e Elisabeth Shue, talvez seja o mais conhecido, mas nem por isso o mais interessante. Pode agora ser uma boa altura para visitar "O Homem Invisível" de 1933, de James Whale, com Claude Rains e Gloria Stuart. É preciso, no entanto, acrescentar desde já, que este "The Ivisible Man" de 2020 não é apenas mais um e merece uma atenção cuidada.


Para começar, temos Elisabeth Moss (Cecilia Kass), a nova raínha de Hollywood, a fazer aquilo que melhor sabe: personagens intensos, credíveis e que conseguem meter o espectador na pele de quem está a representar. Depois, o argumento e a realização de Leigh Whannell - o escritor de "Saw", por exemplo -, que vai beber a Hitchcock o suspense de nos fazer medo do que não vemos, do que nem sequer sabemos se está lá.


A história deste "The Invisible Man" é muito contemporânea e centra-se no problema da violência doméstica e das mulheres abusadas e agredidas pelos maridos - muitos irão lembrar-se do brilhante "Dormindo com o Inimigo" de 1991, com Julia Roberts e Patrik Bergin. A interpretação de Elisabeth Moss faz com que a Cecilia do filme nos entre pelo cérebro dentro, provoca-nos medo e coloca-nos na pele da(s) vítima(s). O espectador é incapaz de tirar os olhos do ecrã, estando sujeito a ser atacado por alguém que nunca está (fisícamente) visível, mas presente de forma mais agressiva e ameçadora. A sua auência ao olhar é precisamente o nosso maior terror.


Para além do excelente desempenho da acfriz principal, Leigh Whammell consegue criar empatia entre o espectador e os restantes personagens, usando os planos subjectivos para elucidar a plateia que a simpática Sydney (Storm Reid) e o prestável James (Aldis Hodge) correm tanto perigo como Cecilia. "Nós" sabemos mais que "eles" e não deixamos de nos sentir desconfortáveis na cadeira, com aquela sensação de urgência para entrarmos pelo ecrã dentro, a avisar do perigo que correm.


O ano ainda agora começou, mas posso garantir que este "The Invisible Man" pode vir a ser um dos melhores thrillers de suspense de 2020. Aqui tudo se conjuga para alguns sustos e muito medo. Vão ter facas a voar, pegadas na carpete e cobertores a ser retirados, tudo a que temos direito acerca de homens invisíveis. Com a população fechada em casa por causa de um vírus, resta-nos estar conscientes que o isolamento protege-nos do COVID-19, mas não do marido de Cecilia.