sexta-feira, abril 02, 2021

OLHOS QUE FALAM

RETRATO DE UMA RAPARIGA EM CHAMAS: Créditos completos
 


Portrait de la jeune fille en feu” é para aquelas pessoas que gostam de não saber tudo, ou melhor, que gostam que não lhes digam tudo e descobrir o sabor da fruta por sua própria iniciativa. Nesse sentido, Céline Sciamma revela-se uma verdadeira manipuladora – no significado mais lato do termo: manipuladora das imagens, manipuladora dos actores e, acima de tudo, manipuladora dos espectadores.

 Tudo neste filme é arte, a começar pelo tema central – não confundir com “principal” -,  mise-en-scène, o cuidado com cada imagem, cada expressão, num conjunto filmado com uma sensibilidade nitidamente feminina – em  minha opinião, nenhum homem poderia filmar este filme desta maneira e não é uma crítica, é a constatação de um facto.

 O que se diz em “Portrait de la jeunne fille en feu” está muito mais nos olhos que no discurso e Céline Sciamma não tem pudor em expor as expressões, os olhares, de onde vão emergindo as emoções, que envolvem o espectador como o vento forte na praia. A escolha da cor de um vestido, torna-se o prelúdio de algo que pode explodir como a corrida para a beira do abismo.

Uma condessa (Valeria Gondino) pretende o retrato da filha Héloise (Adèle Haenel) e para isso contrata os serviços da pintora Marianne (Noémie Merlant). Só que Héloise não quer ser pintada, porque sabe que o quadro é uma oferta ao homem com quem tem de casar e que ela não pretende, nem sequer conhece.

 O que pode parecer uma história vulgar do século XVIII, transforma-se, pela câmara da realizadora como pelas interpretações dos actores  -  todos os actores, note-se - , num exercício subtil de beleza, que explode no ecrã em cada fotograma, deixando os espectadores sem respiração.

 Como devem calcular, durante estes confinamentos pandémicos, muitos filmes já passaram pelo meu DVD. Não tenho a menor dúvida que este deve ter sido um dos melhores. Resta-me acrescentar que a Academia de Hollywood devia estar a dormir, quando deixou para trás “Portrait de la jeunne fille en feu” – considerando que nem nomeado estava para “filme estrangeiro”!