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Cheguei a este "Wristcutters: A Love Story" devido aos Gogol Bordello e não devido a qualquer pseudo-conhecimento sobre cinema. Isto é uma descoberta, não uma demonstração de eruditismo cinéfilo primário. Mas deixem-me já por os pontos nos "i's": se há cinema perfeito, está aqui! Uma verdadeira demonstração de inteligência, divertimento e non-sense, que devia ser a primeira aula de qualquer curso sobre filmes, que pretendesse ensinar seja o que for aos alunos.
Por desgosto de amor, Zia (Patrick Fugit) suicida-se e vai para a um local pós-vida, onde conhece Mikal (Shannyn Sossamon), que procura os responsáveis do local, afirmando que é um erro estar ali, e Eugene (Shea Whigham), um músico rock da Rússia que morreu electrocutado. Entre os três inicia-se uma aventura pelo deserto postmortem, rodeada de pneus velhos, carcaças de veículos queimados e sofás abandonados. Tudo isto embrulhado numa banda sonora de eleição, mas discreta.
A partir de um conto de Etgar Keret, Goran Dikic escreve e realiza um filme de fazer inveja à maioria dos realizadores consagrados, uma obra-prima de humor e divertimento, que não se submete a quaisquer interesses, regras ou politicas. Não é só um filme "fora da caixa", é um filme que não tem caixa de onde sair fora, um hino, uma sinfonia. Se o sublime de Kant pode existir, está mesmo aqui. É pena o filósofo alemão ter vivido há 300 anos, escusaria de escrever as 400 páginas da "Crítica da Faculdade de Julgar"!
Talvez as minhas palavras possam fazer com que os leitores destas crónicas pensem numa comédia romântica, só que mais perfeita que as anteriores que aqui falámos - e já falámos de muitas bem interessantes. Engano. Ninguém aqui vai rir às gargalhadas. "Wristcutters: A Love Story" é um filme agri-doce, considerando que lida com o suicídio e o desespero do abandono. Nada mais trágico, não é? Estamos a falar de divertimento - que começa logo no prazer que os actores parecem ter a representar o seu papel - não de comédia.
Se é um risco abordar o tema da vida depois da vida - sob pena de nos perdermos em moralismos sem sentido ou questões de metafisica duvidosa -, Goran Dikic, nascido na Croácia, pega num conto Etgar Keret, nascido em Israel, e serpenteia entre as gotas de chuva de todos os erros possíveis, parecendo ir inventando a história ao longo do percurso, mas com tal mestria, que nos deixamos arrastar por prazer e por amor.
Este filme é uma lição, mas não uma lição qualquer. É um daqueles raros momentos da nossa formação académica, em que se junta o professor que mais gostamos com a disciplina que mais gostamos. E todos nós sabemos que, em toda a nossa vida, se isso aconteceu duas ou três vezes, já foi muito! Em "Wristcutters: A Love Story" toda a lógica se inverte. É como se gritássemos bem alto: enquanto há morte, há esperança!