Nunca Me Deixes: CRÉDITOS COMPLETOS |
"Never Let Me Go" é um filme fantasticamente desconcertante, que deixa qualquer um a cair no vazio sem nenhum ponto de apoio, como Kaos caiu sem fim da "Teogonia" de Hsíodo. Com a diferença que Kaos acabou por encontrar Gaia, enquanto aqui, o espetador é deixado sozinho para resolver um problema sem solução, fica solitariamente a digerir uma das histórias mais esmagadoras que me foram dado ver em cinema.
Nunca li a novela original de Kazuo Ishiguro - e depois de ver este filme, tenho dúvidas que tenha estômago para a ler!... - mas sei que Alex Garland escreveu um argumento absolutamente arrebatador e, ao mesmo tempo, esmagador, sobre a história de três amigos e do seu relacionamento peculiar, enquanto crescem através da infância até à idade adulta.
Não restem dúvidas que "Never Let Me Go" é um filme de ficção cientifica, mesmo que nos sejam oferecidas datas de referência em cada parte da história, que colocam o espetador nos anos 60 e 70, mas nunca sabemos com exatidão onde estamos, embora os automóveis tenham volante à direita, portanto calculamos sempre que nos situamos algures nas Ilhas Britânicas.
O filme é um exemplar maravilhoso de como os ingleses fazem cinema: impecavelmente representado, com um cuidado extremo na reconstituição de cada local e de cada cena. Tudo parece planeado ao mais infimo pormenor, mas com uma naturalidade inigualável no resultado final. Tudo funciona na perfeição, desde a música à realização. Cada momento é um todo, em que cada um participa de corpo e alma.
Como quase sempre, Keira Knightley (Ruth) é brilhante e Andrew Garfield (Tommy) não lhe fica atrás, mas a grande estrela é Carey Mulligan (Kathy), a narradora e, de certa forma, o personagem central da história, no sentido em que é o fio condutor dos diversos momentos. Os três compõem uma brilhante descida ao inferno da infelicidade, que é precisamente onde "Never Let Me Go" se sente como peixe na água.
Aconselho o uso de um poderoso antiácido para o estômago, porque esta hora e meia de cinema vai deixar muita azia. É um filme que incomoda, feito para provocar um efeito depressivo e esmagador. "Never Let Me Go" não é sobre felicidade e esperança, a começar por todo o ambiente que envolve os personagens até à forma como o realizador Mark Romanek vai contando a história, arrastando o espetador para um beco sem saída.