sexta-feira, setembro 22, 2017

HEIDEGGER É UMA PIADA DE HALLOWEEN

CRÉDITOS COMPLETOS

"A Ghost Story" é um daqueles filmes que vai dividir plateias. Se tem o defeito de aflorar as questões superficialmente, tem, por outro lado, a qualidade de fazer as perguntas - o que, segundo o grego Sócrates, era o passo mais difícil. Talvez muitos se lembrem facilmente de "Ghost" de 1990, realizado por Jerry Zucker, com Patrick Swayze e Demi Moore, mas a mim fez-me muito mais recordar "A Viagem de Chihiro", a animação de Hayao Miyazaky de 2001.


A capa parece uma brincadeira infantil para a noite das bruxas, mas conforme o filme vai avançando, percebemos que estamos a trilhar um labirinto de humor cuidadosamente elaborado. David Lowery não deixa nada ao acaso, é de extremo cuidado na elaboração dos planos, dos sons, dos diálogos, e nem o facto de ter escolhido Casey Affleck ("C") e Rooney Mara ("M") - cuja empatia já tinha sido posta à prova em "Amor Fora da Lei", do mesmo Lowery -, nem a escolha dos actores, dizia eu, pode ser considerada uma coincidência.


"C" morre num acidente fatal, deixando "M" numa profunda solidão, só que regressa dos mortos, envolto num enorme lençol branco com dois grandes buracos negros no sitio dos olhos. Esta é toda a história do filme. É a partir daqui que David Lowery tece uma história sobre a vida, a morte, o outro e a sua importância na nossa existência. Como se todo o tempo que perdemos a ler "Ser e Tempo" de Heidegger, se resumisse a uma piada - inteligente, apesar de tudo, mas mesmo assim uma piada - de hora e meia, com um fantasma de Halloween.


Como disse ao principio, o principal defeito de "A Ghost Story" é não se arriscar em respostas às questões que levanta, deixando um sabor amargo naqueles que acham que todos os problemas têm de ter uma conclusão. Esquecem-se que as respostas são muitas vezes dogmáticas e ditatoriais, e dogmas e ditaduras são, por si, antípodas da Filosofia. Mas a sua maior qualidade é não ter truques baixos para distrair o espectador: não usa efeitos especiais, não faz fumo onde não há fogo. É a verdade nua e crua, como a morte.


"A Ghost Story" é um romance (quase) silencioso e, nessa perspectiva, é um filme esmagador. Feito com um profissionalismo exemplar, cuidadosamente realizado, editado e representado, com um humor negro absolutamente delicioso e de onde emana um enorme prazer nos diversos componentes da obra. Tudo e todos estão ali no sitio certo, no momento certo e cada coisa encaixa no lugar que lhe pertence. A inevitabilidade da morte é um tema complicado, pode perfeitamente ser tratado com o mesmo sem-sentido da arbitrariedade da causa que a provocou.


Já o disse: este é um filme para dividir plateias. Afinal, pode ser apenas mais uma história de casas assombradas, uma versão intelectual de "Amityville". Mesmo assim, encarado neste ponto de vista simples, resta saber se as casas amaldiçoadas podem ser deitadas abaixo e se os fantasmas continuam a habitar o fantasma da própria casa.

terça-feira, setembro 19, 2017

NA CORDA BAMBA

2:22 - Hora Fatídica: CRÉDITOS COMPLETOS

"2:22" balança exactamente sobre aquela linha que separa o bom do mau, aquele ponto de equilíbrio em que um filme pode escorregar e ser um projecto falhado ou, com um golpe de génio, ser uma obra de excelência. Mantêm-se na corda bamba do assim-assim, do principio ao fim, sem perder ritmo mas, ao mesmo tempo, sem dar o salto para algo melhor. Tem à mão uma ideia interessante, é bem feito, mas depois acaba por não passar de puro entretenimento a borbulhar em banho-maria.


A produção é australiana, mas sempre a piscar o olho ao mercado americano. Toda a acção é passada em Nova Iorque e conta a história de Dylan (Michiel Huisman) a quem começam a  acontecer estranhos eventos, todos os dias às 2 horas e 22 minutos. Entretanto, sem motivo aparente, conhece Sarah (Teresa Palmer), com quem desenvolve uma relação amorosa. Nesse vai e vem entre a ficção cientifica e o romance, "2:22" não sabe para que lado há-de cair e mais uma vez balança-se na corda bamba de acabar por não ser nem uma coisa nem outra.


Os amantes de mistérios vão considerar o filme demasiado romântico; os amantes de romances, vão considerar o filme demasiado misterioso. E assim, uma história interessante, bem produzida, razoavelmente bem interpretada, perde-se no cai-não-cai da indecisão do que quer realmente ser. Paul Currie dirige este "2:22" com segurança, mas sem nunca dar aquele passo em frente que poderia fazer toda a diferença.
Parece ter medo de assumir o seu lado de ficção cientifica e thriller ao mesmo tempo que parece fugir de fazer uma história de amor.


"2:22" é tudo e, ao mesmo tempo, não é nada. Tal como Dylan, obcecado com padrões, o padrão principal do filme é colar pedaços de outros filmes, como se pretendesse fazer um cocktail entre a ficção-cientifica, o thriller e o romance, mas acaba por não passar duma água lisa que mata a sede mas não satisfaz. Os vários elementos da história são colados com cuspo, vão aparecendo como por acaso, sem conexão, e o filme não ganha consistência.


Este filme não tem (muito) más interpretações - sem serem brilhantes - e a premissa que lhe dá origem é interessante. Pode ter o suficiente para justificar uma olhadela ao DVD quando estiver disponível no videoclube ou uma espreitadela nos canais de aluguer de cinema, mas não creio que valha muito mais que isso. A verdade é que não passa dum cai-não-cai na corda bamba da vulgaridade.

quinta-feira, setembro 14, 2017

A "DC" VAI À LUTA

Mulher-Maravila: CRÉDITOS COMPLETOS

A moda da Marvel e dos X-Men talvez (repito: "talvez") nos tenha feito esquecer que alguns dos mais famosos heróis são da "DC Comics": Batman, Batwoman e Catwoman, Superman e Supergirl, The Flash... E, claro, a maravilhosa Wonderwoman, criada em boneco por William Moulton Marston e aqui (muito bem) reencarnada na não menos maravilhosa israelita Gal Gadot - que vem fazendo muitos, ou todos, dos últimos "Velocidade Furiosa".


Para levar à tela esta aventura a Warner Bros. foi buscar os escritores Allan Heinberg - mais conhecido por escrever e produzir muito da "Anatomia  de Grey" ou "O Sexo e a Cidade" - e Zack Snyder - sim, o mesmo de "300" -, entregando a realização a Patty Jenkins, uma quase desconhecida com alguns créditos na TV, mas pouco mais. Por aqui se vê que o espírito televisivo, rápido e conciso, domina esta produção. Não se espere, portanto, algo de novo deste filme: é apenas mais uma história já contada, vezes sem conta, que começa e acaba no sitio onde todas as outras começam e acabam.


O que temos de apreciar é o recheio que enche o bolo, como uma bola de Berlim, que não passa de massa frita polvilhada com açúcar, mas que apresenta tantas nuances de pastelaria para pastelaria, que nos leva a atravessar uma cidade, só para procurar aquela que é realmente melhor que as outras. Neste aspecto, "Wonderwoman" vem sem creme - e embora muita gente prefira as bolas de Berlim assim, sem o recheio, não vai ser este o caso.


Diana (Gal Gadot) é treinada desde pequenina para ser uma guerreira imbatível, na sua ilha inocente e paradisiaca. Só que a Primeira Guerra Mundial entra-lhe pelo mar dentro, na pele do piloto inglês Steve Trevor (Chris Pine), obrigando-a a abandonar o conforto do lar e a descobrir o seu verdadeiro destino e a sua verdadeira força.  O problema é que nem os escritores, nem a realizadora, nem os actores, conseguem fazer seja o que for para adoçar, acabando tudo num bolo massudo, difícil de mastigar e sem sabor.


É evidente a empatia entre Gadot e Pine e são também evidentes os esforços da produção para meter algum colorido na aventura, dinheiro gasto em efeitos especiais e num acabamento profissional, mas que, no final, não consegue esconder a pobreza do todo. Com a concorrente Marvel a ganhar pontos com Os Vingadores, os X-Men, o Wolverine ou o Homem-Aranha, a DC deixa-se ficar com uma bola de Berlim mal cozinhada, sem creme e, ainda por cima, requentada no micro-ondas, para parecer acabada de sair do forno, fresca e apetitosa.


sexta-feira, setembro 01, 2017

BAIXO ORÇAMENTO, ALTO RENDIMENTO

CRÉDITOS COMPLETOS

Este filme corre o risco de passar despercebido no meio da avalanche de produções que caiem por aí, mas é verdade, verdadinha, que merece uma espreitadela. Um "série B" de ficção cientifica, de baixo orçamento, vindo da Austrália que nos ofereceu o Mad Max, que não sendo nada de arrasar, até se torna divertido, é bem feitinho e, pelo caminho, deixa um conjunto de boas performances de actores perfeitamente improváveis.


Vamos começar pelos defeitos: o título "Science Fiction Volume One: The Osiris Child" não vos soa altamente suspeito? É um daqueles nomes que, logo à partida, nos faz meter o DVD para o lado, na lista dos "ver depois"... Em segundo, os flash-backs, que dão sentido à história, só fazem a aventura arrastar-se, sem entusiasmo, tornando o filme lento, que é coisa que, de certeza, Roger Corman - o rei dos séries B - não aconselharia neste género de cinema; e os Reggeds, os monstros que parecem ser manipulados como marionetas de fio, que podem ficar muito bem em grande-plano, filmados de perto e em movimento rápido, mas que são ridículos quando filmados em planos largos.


E agora, o que interessa: numa colónia planetária, Kanne Sommerville (Daniel MacPherson) um militar caído em desgraça, trava uma luta contra o tempo para salvar a sua filha de 11 anos, Indi (Teagan Croft). Nessa cruzada, é acompanhado por um conjunto de personagens que, por motivos diversos, o irão ajudar na sua tarefa. Perguntarão vocês: como é que o realizador Shane Abbess - cujos créditos anteriores apenas resultaram em vulgaridades -, se desembrulha de mais esta vulgaridade, de forma a fazer hora e meia de filme?


A resposta, não sendo simples, é directa: não dando os passos maiores que a perna, que é o mesmo que dizer que se limita a fazer o que pode com o orçamento que tem à mão, nem mais um milímetro, nem menos um milímetro. Talvez não seja o mais visualmente fantástico dos filmes de ficção cientifica que irão ver, mas certamente é uma produção bem feita com o que há à mão, bem produzida dentro das limitações e com uma capacidade surpreendente de manter o espectador interessado e divertido.


Ao não querer parecer original, Ahane Abbess acabou por conseguir uma aventura interessante, muito acima da média  e que se consegue ver com satisfação e prazer. Não é a produção deslumbrante do ano, mas é um excelente exemplo de como a ficção cientifica da série B de baixo orçamento, não precisa de ser uma calamidade. Uma tarde despreocupada, sem segundas intenções, exactamente como tem de ser um filme feito apenas porque sim.