segunda-feira, janeiro 15, 2024

MAIS OLHARES QUE PALAVRAS

Kyss Mig [Kiss Me]: elenco completo


Quando vi “Kyss Mig” veio-me à memória “Portrait de la jeune fille en feu”, filmes em tudo paralelos. Ambos filmados por mulheres, ambos contam a história de mulheres livres, que se envolvem com mulheres comprometidas, levando a intensas relações tanto proibidas como socialmente inaceitáveis. 


Mas o que mais os aproximou, foi o uso obsessivo de grandes planos de expressões, onde o que é dito, está muito mais nos olhares que nas palavras, onde a carga erótica das cenas de sexo, se dilui nas carícias. E, acima de tudo, como a cereja no topo do bolo, a representação exemplar de Ruth Veja Fernandez e Liv Mjönes, duas actrizes com uma tal química entre si, que o espectador pode, de repente, pegar fogo com a descarga eléctrica que emana delas. 


A história de “Kyss Mig” parece já contada noutros filmes: a meses de se casar com Tim (Joakim Nätterqvist), Mia (Ruth Veja Fernandez) conhece Frida (Liv Mjönes), filha da actual namorada do seu pai. Entre elas desenvolve-se uma atracção mútua, que se vai desenvolvendo numa relação amorosa. 


Não se iludam. “Kiss Mig” é muito mais que um romance lésbico. É uma história sobre preconceitos, sobre relações familiares, sobre assumir a sua própria independência para poder ser feliz. É um filme sobre uma mulher de carácter que sabe o que quer e outra indecisa sobre quem é e para onde quer ir. É um filme de busca e de encontro. Coisas que a realizadora Alexandra-Therese Keining nos oferece de forma exemplar. 


Só mais um aviso: “Kyss Mig” não é um filme para uma tarde de domingo com as crianças. É um filme para gente crescida e não necessariamente por causa das cenas de sexo (que, como disse, são mais sensuais que sexuais). É um filme sobre problemas actuais, sobre preconceitos e sobre relações familiares complicadas. Quem tiver olhos de ver, vai adorar!


terça-feira, novembro 07, 2023

AMOR E ESPIONAGEM

Pipocas no sofá

"Livro Negro"



“Livro Negro” é um thriller, o que quer dizer que vive de surpresas e inesperados, pelo que não me posso esticar muito, sob pena de estragar o divertimento. Por isso, vou tentar passar entre os pingos da chuva. 


 Deixem-me começar por dizer, que eu não sou um fã incondicional do cinema de Verhoeven (sim, sei o que estão a pensar: “Robocop” ou “Instinto Fatal” ou “Desafio Total”), mas não me consigo decidir sobre aquele andar na corda-bamba, entre a grandiosidade de Hollywood e a intimidade do cinema independente. 


 Mas isso não me cega completamente e reconheço quando vejo um bom filme, como é o caso deste “Livro Negro”, venha ele do realizador que vier. Uma história contada com inteligência, com suspense, reviravoltas e surpresas. Tudo o que faz um bom thriller, coisa que Verhoeven já demonstrou fazer bem.


 Além disso, para quem, como eu, aprecia a beleza feminina, Carice van Houten é um anjo caído do céu. E o realizador parece concordar comigo, já que filma a actriz em todo o seu esplendor, coisa que ela parece aceitar com prazer e despudor (e ainda bem para nós, espectadores). 


 Não que isso faça Verhoeven limitar-se a prestar vassalagem à sua musa. Rachel é um elemento sexy e sexual do filme – lembrem-se da Sharon Stone de “Instinto Fatal” e esta obsessão por extrair o lado mais sensual das mulheres bonitas não é nada de novo -, mas funciona como mais um elemento, nunca o principal. 


 À superfície, “Livro Negro” é um filme de espionagem e de guerra, mas como o chocolate, quando se começa a derreter na boca é também um romance. Às vezes convencional, outras vezes nem por isso. 


 Sinopse: Rachel junta-se à resistência holandesa contra a ocupação nazi e recebe a missão de se aproximar de Müntze, capitão das SS. Só que entre ambos, vão desenvolver-se sentimentos que não estavam previstos.

domingo, setembro 17, 2023

ESTATISTICAMENTE VULGAR

Elenco completo

Conheci Haley Lu Richardson em "A Distância Entre Nós", filme que ela carrega às costas com a sua expressividade. Depois, apaixonei-me por "Columbus" e diverti-me com "Unpregnant" e "No Limiar dos 18". Foi (principalmente) por ela, que esperei pela estreia deste "Love at First Sight".


Ao contrário de "Tudo na Boa!" (apenas como exemplo recente), com outra actriz que eu admiro, Jennifer Lawrence, que assume honestamente a sua vulgaridade e faz disso o principal trunfo, "Love at First Sight" é pretencioso. Não passa duma comédia romântica adolescente - o que, só por si, nunca foi defeito -, mas quer dar-se ares de drama existencial. 


A história do filme é simples e fácil: Hadley (Haley Lu Richardson) perde o avião que a levaria de Nova York para Londres e tem de ficar no aeroporto à espera do vôo seguinte. Nesse tempo, conhece Oliver (Ben Hardy) e entre eles nasce uma paixão à primeira vista. Só que, depois de aterrarem, a vida decide criar-lhes uma série de obstáculos, que os vão fazer passar por várias peripécias para se voltarem a encontrar.

À volta disto, o filme tenta fazer uma série de piadas acerca de estatísticas e probabilidades, de acasos e possibilidades, o que, vendo bem, nem sempre funciona como narrativa interessante, ainda mais porque Ben Hardy tem dificuldade em passar por adolescente universitário e não tem uma química com Haley Lu Richardson, que faça a paixão credível - que saudades da interacção dela com John Cho em "Columbus"!.... 


A Netflix está a tornar-se especialista em produções próprias para "stream", filmezinhos familiares sem grandes preocupações, especificamente realizados para domingos familiares à volta duma piza pré-fabricada. Não tem de ser um defeito só por si - estou a lembrar-me de "Mixtape", por exemplo - mas é muito fácil escorregar no gelo fino da vulgaridade brejeira.

É por isso que "Love at First Sight" tem os meios de produção necessários para não se afogar completamente nas águas mais profundas da vulgaridade. É um filme colorido, visualmente atractivo, e tem a duração adequada para não se tornar um tédio insuportável, mas, para ser honesto, só isso não basta para o resgatar. 

"A Probabilidade Estatística do Amor à Primeira Vista", Jennifer E. Smith, ed. Suma de Letras

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domingo, maio 09, 2021

SEM ESPERANÇA E SEM FINAL FELIZ

 

O PAI: créditos completos


Este “The Father” deixa “Nomadland” a milhas de distância como melhor filme e só posso concluir que a atribuição do Óscar a uma obra de uma realizadora chinesa, só pode ter sido um acto de anti-trumpismo primário. Florian Zeller, juntamente com o argumentista Christopher Hampton (sim, o mesmo de “Ligações Perigosas”), adaptaram a peça do primeiro, transformando-a num filme absolutamente brilhante.

“The Father” é obsessivo, trás a confusão de Anthony (Anthony Hopkins) para a sala e leva o espectador ao mesmo estado de confusão do personagem principal. Um relógio, uma enfermeira e um marido, um jantar de galinha e uma pintura, são apenas algumas das peças quotidianas desta descida ao inferno, que arrasta a plateia sem dó nem piedade.

Não há muito a contar acerca do argumento: devido a alguma doença, nunca devidamente referida, Anthony confunde as pessoas e os locais do seu dia a dia. É tudo. Florian Zeller limita-se a seguir o personagem entre as divisões da casa, filmando confusões e enganos, criando um puzzle cujas peças nunca irão encaixar e onde o espectador nunca é parte desinteressada. 

Anthony Hopkins é absolutamente brilhante na composição dum personagem confuso, para quem o presente e o passado de misturam numa espiral baralhada. Para o acompanhar, tem Olivia Colmen (a filha Anne) tão brilhante como o actor principal, testemunha por um lado, vítima por outro, da descida à loucura do pai. Se o primeiro possui uma infinita capacidade de variações, a segunda dá ao espectador uma profunda perspectiva do lado da família, que assiste impotente à degradação da pessoa amada. 

Até ao momento, este foi o melhor dos nomeados a que assistimos. Um filme incomodativo, filmado de forma incomodativa, em que o espectador é uma parte activa da acção. Não tem o exibicionismo fútil de “Mank” nem o mistério de “Uma Miúda com Potencial”, é duma simplicidade desconcertante, filmado quase todo num simples apartamento – o que só acentua a sensação de confusão.

Todo o trabalho de montagem de Yorgos Lamprinos parece duma simplicidade desconcertante, sendo, no entanto, o pilar de sustentação de todo o filme, transformando “The Father” num filme sobre a demência, que realmente provoca arrepios e calafrios. É como se a família tivesse esquinas e recantos que não queremos explorar.

Combinando psicodrama com filme familiar, Florian Zeller dá-nos um retrato deprimente de como as peças desmoronam, com as pessoas,  as casas e o próprio tempo a escorregarem entre os dedos como areia na praia. O pequeno-almoço transforma-se em jantar e o amanhecer em anoitecer num piscar de olhos. 

 

 

Há amor em “The Father”, principalmente na presença calorosa e acolhedora de Anne, mas como a loucura de Anthony, esse amor é mais de provocar pesadelos que sonhos cor de rosa. Este é um filme sem final feliz e sem esperança, que arrasta o espectador juntamente com a demência do personagem.

sábado, maio 08, 2021

PORTO-DE-ABRIGO PARA O MISTÉRIO

 

UMA MIÚDA COM POTENCIAL: créditos completos


Promising Young Woman” é a nossa nova espreitadela aos Óscars de 2021, depois de “Mank” e “Nomadland” e deixem-me avisar já, que este não é uma coisinha leve, daquelas que a Academia costuma gostar.  Este filme é negro, deprimente, pesado e lida com temas sensíveis, que não deixarão o espectador indiferente. Mesmo assim, para quem gosta de dramas de mistério, será, certamente, um dos melhores filmes que irão ver este ano.

Depois duma carreira de actriz, quase toda dedicada à televisão, Emerald Fennell arrisca a sua primeira longa metragem como realizadora e argumentista, com uma obra entre o drama e o mistério policial, com uns certos toques de comédia romântica, mas não se iludam, “Promising Young Woman” vai deixar a plateia a pensar e a remoer os remorsos.
 

Por algum motivo, que só vai ficando claro com o decorrer do filme, Cassandra (Carey Mulligan) encontra-se numa cruzada de vingança contra os homens – principalmente as almas caridosas que gostam de tentar ajudar raparigas bêbadas, perdidas em bares nocturnos. Durante o dia trabalha no café duma amiga e, pelo menos uma vez por semana, vagueia pelos bares fingindo-se alcoolizada. Ao contrário do que isto pode sugerir, “A Promising Young Woman” não tem nenhuma violência explicita, o que, vendo bem, serve para adensar o mistério.

Nunca Emerald Fennell nos dá uma pista sobre as acções reais de Cassandra, nem esta revela o mais pequeno pormenor sobre o que realmente faz com os homens que a levam para o quarto. O filme é um perfeito vazio de “gore” – ao contrário do que sugerem alguns cartazes -, mas transmite um sentimento de agressividade permanente que incomoda os espectadores.

Este não é um filme para uma tarde de domingo em família. É um filme adulto, para adultos, sobre um tema pesado e incomodativo. É uma obra inteligente, com diálogos inteligentes, servidos por actores competentes, que contêm cenas que, não sendo sexualmente explicitas, têm grande conteúdo sexual. Como disse ao principio, quem gosta de policiais e mistérios, vai sentir-se feliz por ver este filme.

Nesta ronda que estamos a fazer pelos Óscars, até ao momento este seria o concorrente directo de “Nomadland”. Não usando do pretensiosismo de “Mank”, quase discreto, “Promising Young Woman” é uma espécie de porto de abrigo para os amantes de thrillers. Se gostarem de um pouco de comédia romântica diluída no mistério, então é o paraíso!

 

terça-feira, maio 04, 2021

MUITA PARRA, POUCA UVA

Créditos completos

 


Na sequência da visita aos Óscars de 2021, decidi espreitar “Mank”, o concorrente directo de “Nomadland”. Deixem-me, desde já, deixar um aviso: este filme  é para apreciadores de Orson Welles em geral e de “Citizen Kane: O Mundo a Seus Pés” em particular – a película que concorre usualmente, ombro a ombro, como o melhor filme de todos os tempos.

 “Seven – 7 Pecados Mortais” ou “O Estranho Caso de Benjamim Button” podiam ser cartões de visita suficientes para Devid Fincher, mas, mesmo assim, o realizador faz questão de mostrar que está lá. Enquanto Chloé Zhao tenta passar despercebida em “Nomadland”, Finsher, pelo contrário, é exuberante em “Mank”. Se o primeiro é filigrana sensível, o segundo é pedra bruta partida à força de martelo pneumático.

“Mank” é um daqueles filmes em que ninguém passa despercebido, do director de fotografia aos actores, do sonoplasta ao realizador. Nitidamente feito para concorrer aos Óscars, com interpretações teatrais e jogos de câmara dinâmicos, nada nesta obra vai deixar o espectador indiferente. 

 Durante a grande depressão americana, com o Hitler a subir ao poder na Alemanha, Herman J. Mankiewicz (Gary Oldman), alcoólico mas, ao mesmo tempo, um argumentista brilhante, tem de escrever, em 60 dias, um guião para Orson Welles (Tom Burke), isto enquanto os estúdios lutam por dificuldades e o público está mais preocupado com a fome que com as fantasias da tela.

 O principal defeito de “Mank” parece ser a luta de egos no seu interior, os jogos de câmara contra as interpretações teatrais, a iluminação ou o som contra a fotografia, onde cada um quer ganhar os louros que deviam ser atribuídos ao trabalho de equipa. No entanto,  poucos filmes acerca de cinema atingem o nível de “Mank”, requintado e perfeccionista, onde nada é deixado ao caso, tudo tem um tempo e um objectivo – como a propaganda eleitoral.

 Herman Mankiewicz escreveu mais de 60 guiões, muitos deles não creditados, entre “Os Homens Preferem as Loiras” ou “O Feiticeiro de Oz”. Em “Citizen Kane: O Mundo a Seus Pés”  ainda está para se decidir qual a sua contribuição verdadeira, dividindo os louros com Orson Welles, mas “Mank” não é um filme sobre escritores, é um filme sobre uma América contaminada por “fake-news”, depressão económica e umas eleições, onde um socialista atemoriza os americanos. 

 Voltando à questão dos Óscars de 2021, afinal, o que nos trouxe até aqui, podemos concluir que “Nomadland” dá muitos de avanço. “Mank” é mais parra que uva. Tem um embrulho brilhante para envolver uma prenda cara, mas que custa muito mais do que realmente vale. No fundo, este filme tem um belo corpo, mas falta-lhe alma.