terça-feira, agosto 29, 2017

O PONTO DE VISTA DE UMA LEICA

O Sentido do Fim: CRÉDITOS COMPLETOS


A Leica III é considerada, por muitos fotógrafos, a melhor máquina fotográfica de sempre. O objecto visto através de uma lente é uma excelente metáfora para este "The Sense of an Ending", um filme que fala precisamente da forma como olhamos para o exterior de nós e de como o tempo pode afectar o nosso próprio ponto de vista sobre nós mesmos, sobre os acontecimentos que nos afectaram e as pessoas que interagiram connosco.


Tony Webster (Jim Broadbent e Billy Howle), reformado de uma profissão indefinida e, aparentemente como passatempo, possuidor de uma loja de máquinas fotográficas em segunda mão, recebe um dia uma carta a informá-lo que é herdeiro do diário da mãe da sua ex-namorada de faculdade, Veronica (Charlotte Rampling e Freya Mavor). Um excelente ponto de partida para uma viagem ao passado, reformulando toda a perspectiva do presente.


Ritesh Batra - o génio que em 2013 já nos tinha oferecido o imperdível "A Lancheira" - filma este "The Sense of an Ending" com a sensibilidade necessária para manter os excelentes actores no local certo para representarem os personagens ao qual estão dedicados. E, sejamos claros, entre a actualidade e os flash-backs, entre filha, esposa e ex-esposa, namorada e secundários, circulam aqui mais de 20 identidades, cuja encruzilhada se precipita para o próprio Tony.


Não se pense que Ritesh Batra se deixa enredar num novelo confuso. Pelo contrário! Todo o caminho é percorrido com uma segurança exemplar, não deixando, por si, de requerer alguma atenção do espectador, que tem de se manter concentrado para seguir o percurso sem se perder. Ninguém aqui tem um papel passivo, todos têm o seu próprio ponto de vista, como se cada um tivesse a sua Leica III, através da qual vai observado o objecto a fixar.


"The Sense of an Ending" é mais sólido que atractivo, um belo e bem representado filme sobre as fraquezas e os dramas do passado e de como se cruzam no presente, alterando o foco da lente de tal forma que o protagonista das acções perde o sentido do enquadramento, mesmo quando o objecto principal é ele próprio. De repente, Webster está entre o nascimento do neto e o regresso da sua paixão da faculdade, sentindo-se perdido no seu próprio papel.


O que Ritesh Batra parece querer filmar é muito menos o fim e muito mais o caminho até lá. Isso acaba por deixar o espectador num vazio estranho quando o filme acaba. Mas o conjunto é um belo exemplar de como fazer cinema sem pressas, baseado numa história interessante e num conjunto de actores excelentes dirigidos com mão segura. Um desafio desconcertante ao poder da memória na influência do nosso ponto de vista para o presente.