segunda-feira, setembro 19, 2016

GALERIA MARLING

Por uma razão qualquer, a que só o acaso sabe responder, num curto espaço de tempo, vi vários filmes com a mesma atriz: Brit Marling.

Another Earth (2011)


E o que é que isso tem de extraordinário? Perguntarão vocês, primeiro, porque eu nem sou de ganhar especial afeição por atores em particular - com algumas exceções, como Jack Nicholson e Jodie Foster - e, segundo, porque hoje em dia o cinema vive em especial de um punhado de interpretes que, com maior ou menor frequência, se repetem nos ecrãs até à exaustão.

Posthumous (2014)
O que tem de especial é a consistência com que Brit Marling representa os seus papeis, ao mesmo tempo que assume funções de escritora em, pelo menos, dois dos filmes vistos. Tudo com uma desenvoltura brilhante, sem muito fogo de artificio, mas com uma competência - quer como atriz, quer como argumentista - de fazer inveja a muito atorzeco, talvez mais mediático, mas certamente menos interessante.

I Origins (2014)
Todos os filmes que vi eram, de uma maneira ou de outra, direta ou indiretamente, romances, no sentido em que tratavam de relações pessoais, mas não necessariamente sobre o velho tema de "rapaz conhece rapariga". No entanto, fosse quais fossem as voltas que se desse, tratavam-se de filmes sobre o amor, sobre a paixão e sobre como uma pessoa em particular nos pode afetar de forma definitiva para o resto das nossas vidas.

The East (2013)
Quer a cientista brilhante de "I Origins" - mais tarde, esposa solidária -, quer a criminosa acidental - em vários sentidos da palavra - de "Another Earth", quer a jornalista frustrada de "Posthumous", quer a agente infiltrada de "The East", têm em comum serem personagens consistentes, credíveis e que criam empatia com o espetador. E isso é muito mais do que se pode dizer de alguns atores que vemos com mais espalhafato e com mais holofotes apontados.

Posthumous

Talvez se lhe possa apontar (ainda) não ter atingido uma performance que iguale Jack Nicholson em "Voando Sobre Um Ninho de Cucos" ou Jodie Foster em "A Estranha em Mim" - apenas como exemplos e para ficarmos restritos aos atores que falei lá atrás -, pelo menos nos filmes aqui referidos. Mas é óbvio que essa excelência está latente. Duma forma menos exuberante, talvez, mas nem por isso menos fascinante.

Another Earth



domingo, setembro 18, 2016

O GRITO DO PAVÃO ALBINO

"- Porquê tanto empenho a provar que Deus não existe?
- Mas já alguém provou que existe?!"


Vamos já por os pontos nos "i's": adorei este filme. "I Origins" - um trocadilho que, em relação ao tema do filme, só faz sentido em inglês e torna  (quase) impossível a tradução para português - é um romance. Um filme que conta uma história de amor, que como já disse algures lá para trás, é perfeitamente previsível a caminho dum final pré-estabelecido. O que faz um bom ou um mau filme, é a capacidade de ir surpreendendo o espetador ao longo da história. Há previsibilidades mais previsíveis que outras!...




Depois, olhando uma segunda vez, "I Origins" é muito mais que a história de amor "em si". É, na verdade, uma guerra de convicções, nas quais, a partir de certo momento, o espetador é deixado sozinho para tomar as suas próprias decisões.


Este filme não vai bater recordes de bilheteira, nem vai figurar na lista dos melhores filmes da vida de quem o vir. É, no entanto, um belo exercício de inteligência hollywoodesca. Uma demonstração cientifica, de como é possível fazer um excelente filme, desde que se junte um grupo de atores empenhados, que acreditem no que estão a fazer, e uma direção competente.


 Mike Cahill caiu do céu para escrever e realizar um filme interessantíssimo. Não porque tenha um ritmo elevado, com peripécias recambolescas, mas porque sabe contar uma história de forma cinematográfica, revelando o que tem interesse e pondo der lado o lixo, que, afinal, serve para encher o olho - uma brincadeira com o tema do filme! -, mas que, no fim, não serve para a nada, a não ser queimar película - coisa que, fora da era digital, valia muito dinheiro e não era para desperdiçar!


Acima de tudo, este filme é interessante, intrigante e, sem querer introduzir-me nas convicções pessoais, é revelador - seja qual for a forma como cada um entende este termo. Não foi só um dos melhores filmes que vi este ano (apesar de já ter dois anos, mas nunca é tarde para nos arrependermos, não é?), mas é um dos filmes que vou juntar a uma pequena galeria de "ver novamente".

segunda-feira, agosto 22, 2016

LADO NENHUM

 

"Bridgend" é um filme dinamarquês, com atores ingleses, cuja ação decorre numa cidade do País de Gales. Vem multipremiado em vários festivais de cinema independente e, (não só por isso, mas também por isso) desperta a curiosidade dos mais atentos.


Baseado numa história verídica de suicídios de adolescentes em Bridgend County, uma cidade do Sul do País de Gales, suicídios esses nunca explicados, nunca compreendidos, o filme segue um grupo de estudantes, sem nunca tentar explicar as circunstâncias, apenas reportando actividades e envolvimentos.


Sendo um filme sobre adolescentes, a primeira preocupação de Jeppe Ronde é não tentar fazer juízos de valor sobre os jovens fechados numa cidade provinciana, sobre os seus envolvimentos e as suas actividades, nem sempre legais e nem sempre conforme a moral tradicional.


A câmara é crua, tal como deve ser a adolescência, sem beleza adicional, dramática, como todas as relações aos 18 anos, que parecem ir afetar-nos para toda a vida - e a verdade, é que, algumas, afetam mesmo! Há música alto, álcool e, acima de tudo, um profundo sentimento de não pertencer a lado nenhum.


Os suicídios nunca foram explicados e ainda hoje permanecem um mistério. Por isso o filme também não vai muito mais longe. Funciona sem um objetivo estratégico - quer dizer, o argumento não tem exatamente uma história no sentido tradicional - e deixa o espetador numa situação de procurar um caminho para a ação - caminho esse, que os adolescentes em causa, parece nunca terem encontrado para si próprios.

domingo, agosto 21, 2016

O AMOR EM VERSÃO POP



"(500)Days of Summer" é um filme pop, em vários sentidos: tem The Smiths, Pixies e mais uma enorme coleção daquelas músicas que nos fascinaram nos anos 80; depois é um filme ligeiro, como o Verão, que, afinal, apenas precede o Outono no infindável circulo das estações.


A ação começa logo com dois avisos, aparentemente contraditórios. Primeiro, o narrador anuncia que este é um filme de "rapaz conhece rapariga"; mas depois avisa logo: "esta não é uma história de amor". O que não deixa de ser algo óbvio, pois nem todos os encontros resultam em amor, não é?


Summer (Zooey Deschanel) é uma miúda linda (pelo menos para os meus padrões de beleza feminina) e Tom (Joseph Gordon-Levitt) é um rapaz simpático e divertido. Tudo se combina para a relação dar certo. Mas a vida não é feita para dar certo, é feita para ser vivida.

 Resta saber se "(500)Days of Summer" é um drama ou uma comédia. É que nem toda a gente se riu como eu no cinema, mas houve muitos momentos em que estive bastante sério: com o desespero da recusa, com a angústia e a frustração (do personagem, não a minha!)


Muita gente vai encolher os ombros a passar por cima de "(500)Days of Summer". Não os censuro, à primeira vista parece apenas "mais um do mesmo". O meu conselho é que façam um esforço e comecem. Vão gostar.

sexta-feira, agosto 19, 2016

DÚVIDAS E LIBERTAÇÕES

 

Há capas que não deviam existir. Tal como escrevi aqui acerca de "In The Deep", também este "The Lifeguard" tem uma capa que faz lembrar "Baywatch" - mesmo que os atributos físicos de Kristen Bell não sejam comparáveis às medidas de Pamela Anderson -, o que fará muita gente torcer o nariz a pegar neste filme. Fazem mal.

"The Lifeguard" começa por dar a impressão de ser (mais uma) daquelas comédias românticas, das quais raramente trazemos recordações. É um engano. O filme é um drama profundo sobre a solidão, a possibilidade de recuperação do passado e como o futuro é sempre mais interessante que ficar preso no que não foi, mas podia ser.

Quer dizer, este filme, sem ser uma obra prima, não vai desiludir os que decidirem vê-lo. Tem uma história consistente e Liz Garcia filma-o com a competência devida, deixando os atores respirar e desempenhar o seu papel, sem se intrometer demasiado, mas mantendo mão firme.

O uso sistemático dos planos fechados, de rostos expressivos, não sendo propriamente original, dá aos atores possibilidades de serem livres nos sentimentos e, ao mesmo tempo, cria tensão para o espetador se identificar com os personagens. Afinal, o filme é precisamente sobre emoções, vitórias e falhanços, dúvidas do futuro e libertações do passado.


Portanto, apesar do poster de apresentação de "The Lifeguard" ser de evidente mau gosto, pelo que muitos renunciarão ao filme, outros, como eu, decidirão arriscar em mais um romance. Se é verdade que os primeiros não perderão grande coisa, também é verdade que, os segundos, irão divertir-se com uma bela história de reencontros, drama e redenção.

quinta-feira, agosto 18, 2016

COPENHAGA, ASSIM MESMO


"Copenhagen" é um daqueles raros filmes em que a simplicidade, a ligeireza e a simpatia, funcionam a favor duma história profunda. O romance é uma desculpa para os personagens se cruzarem e a cidade de Copenhaga, omipresente - não no mesmo sentido que Viena e Paris, para a série "Antes de Amanhecer" e "Antes de Anoitecer" -, serve apenas de pano de fundo para um mergulho ao passado.


O filme só começa a ser estranho - pelo menos, para o moralismo cristão ocidental -, quando o espetador é confrontado com a idade dos personagens. Mas a pedofilia não é o tema do filme, embora esteja presente a partir de certo momento e Effy (Frederikke Dahl Hansen) é tudo, menos uma menina perdida, enganada por uma mente sexualmente pervertida.


William, o personagem interpretado por Gethin Anthony, é tão surpreendido como o espetador, mas os seus obetivos verdadeiros são outros. A relação amorosa é secundária - mas fundamental, é verdade -, porque o tema central do filme é um "crescimento" que não tem a ver com a idade, tem antes a ver com as pazes com o seu próprio passado.


 O espetador não deixa de ser solidário com o personagem masculino, até porque Effy não se recusa à sua sexualidade. Não está ali manipulada por um psicopata, pelo contrário, envolve-se no drama voluntariamente e de forma decidida. Não se recusa, antes insinua-se.


 Toda a equipa que participou em "Copenhagen" deve estar orgulhosa do produto final que conseguiram. É um filme verdadeiro do principio ao fim, assumindo os dramas que o envolvem - amizade, traição, descoberta do passado e, claro, o amor - sem preconceitos nem falsos moralismos.

segunda-feira, agosto 15, 2016

MAKE LOVE, NOT WAR


"Johnny Got His Gun" estreou em Portugal com o título "E Deram-lhe Uma Espingarda", o que, vendo bem, tem tudo a ver com o tema. Foi filmado em 1971, tem 45 anos e continua exatamente igual. Tem lá dentro o Woodstock, o Maio de '68, o "flower power" e faz parte daquele conjunto de filmes ati-guerra, onde a própria guerra é o assunto principal mas, ao mesmo tempo, secundária. Junta-se a "O Caçador", "O Regresso dos Heróis", "Nascido a 4 de Julho", "Jardins de Pedra"...


 Não se iludam: "E Deram-lhe Uma Espingarda" não é um filme para brincadeiras. É um filme deprimente, demolidor, arrasta o espetador para um abismo negro e tortuoso. Usa o preto e branco de forma exemplar, para criar sombras escuras e momentos de escuridão emocional, fazendo com que aquela lista lá atrás, de nomes bem mais populares, não passem de fogo de artificio, alegres e festivaleiros, comparados com esta depressão.


Poucos filmes me impressionaram tanto como este. Escrito e realizado por Dalton Trumbo, baseado numa história dele próprio, "E Deram-lhe Uma Espingarda" conta uma história de amor em tempo de guerra ou, se quiserem, uma guerra que se meteu no meio de uma história de amor. Seja qual for a perspetiva, este filme é uma verdadeira obra-prima, uma experiência inesquecível.


  Só pelo facto de o espetador estar quase duas horas intrigado por uma figura desconhecida, envolta em lençóis, mantendo-se suspenso em todos os minutos, testemunha a genialidade deste filme. Muita gente irá reconhecer o teledisco dos Matallica, mas é uma injustiça para o filme, que vai muito mais longe e mais profundo.

Poderia acabar dizendo, como de costume, que são duas horas bem passadas. Mas não são! São duas horas dramáticas, obsessivas e deprimentes. Tudo aquilo que faz os filmes inesquecíveis. Talvez muita gente desista, talvez muita gente não tenha estômago para ir cavando cada vez mais fundo no drama de Joe Bonham. Os que decidirem ir até ao fim, nunca se arrependerão; os outros, irão perder um drama para toda a vida.

quinta-feira, agosto 11, 2016

TUBARÕES HÁ MUITOS...


É preciso (muito) cuidado, quando se pega num filme com - ou "sobre" - tubarões. O mercado está repleto de lixo e desde "Jaws" - ou, se calhar, ainda antes - o melhor que se consegue são alguns documentários e, mesmo esses, muitas vezes mais preocupados com o espetáculo, que com a ecologia.

 É por isso que "In The Deep" nos surpreende. Lembram-se o que escrevi aqui sobre "The Martian"? Este "In The Deep" é o oposto, criando potencialidades onde a história não tem. Simples, direto, sem pretenções, o filme corre ligeiro, com suspense e intensidade.


Os tubarões aqui são secundários, e a aventura não sofreria qualquer alteração se fossem peixinhos de aquário. O drama centra-se na sobrevivência, na resistência e no engenho para sair de situações difíceis - um pouco como o tal marciano, que se perde em infantilidades.


Não se iludam: "In The Deep" não é uma obra prima e a primeira qualidade que tem é, precisamente, não querer ser. A simplicidade é o grande trunfo do filme. Concentra-se na história - que pode ser escrita em duas ou três linhas - e guarda para o fim a surpresa que vai espantar o espetador. Não desilude em nenhum momento, porque, na verdade, não cria ilusões.


 Esta película fez-me lembrar "Em Águas Profundas", onde o coitado do tubarão é ali metido sem ser chamado à confusão, o que, como disse no inicio, até pode ser prejudicial, afastando espetadores que poderiam interessar-se pelo filme, que, afinal, merece.


Não se acanhem pela capa. Este filme vale a pena, é um bom entretenimento de aventura, bem filmado e com uma agradável surpresa final. É uma hora e meia bem passada, para quem gosta de suspense. Ninguém sairá arrependido do cinema.

terça-feira, agosto 09, 2016

SOMOS TODOS INOCENTES!


Em "Os Condenados de Shawshank", juntam-se uma coleção de pequenas coisa que, todas juntas, fazem um dos melhores filmes de todos os tempos. Não conheço o conto original de Stephen King, mas se colarmos este argumento e a realização de Frank Darabont, com as interpretações esmagadoras de Tim Robbins e Morgan Freeeman, não há como largar os olhos do ecrã durante estas duas horas.


Um filme tem de ser uma sucessão de coisas que devem funcionar juntas e fazer sentido no fim, embora na realidade, sejam quase coisas independentes que se colam: realização, interpretação, produção, edição... Tudo tem de ter um propósito no objeto final.


O que acontece em "Os Condenados de Shawshank", é que se atingiu um nível de perfeição, que dificilmente poderá ser superado. Isto porque nada está a mais ou a menos neste filme. Atrás da realização de Darabont a das interpretações de Robbins e Freeman, vêm Bob Gunton ou Clancy Brown, vem a música de Thomas Newman ou a direção artística de Peter Landsdown Smith.


Este filme não tem aquilo a que geralmente se chama "acção". Não tem efeitos especiais, não tem perseguições de automóveis nem aventuras mirabolantes. Trata-se (apenas) de um grupo de homens, fachados numa prisão e da forma como se afetam uns aos outros e de como o seu quotidiano se desenrola.


"Os Condenados de Shawshank" não é um filme para ver descansado com a família, principalmente se tiverem filhos pequenos. É um filme adulto, sobre um tema adulto e com cenas violentas, pode mesmo dizer-se, de uma violência atroz. No entanto, é um dos 5 ou 6 melhores filmes da minha vida. Há quem diga que "Casablanca" é o melhor filme de todos os tempos - nem sequer me vou dar ao trabalho de contestar!; pois bem, tem aqui uma séria concorrência para esse estatuto.

segunda-feira, agosto 01, 2016

CONSPIRAÇÃO DE PRAZER


Em "Fome de Viver" ("The Hunger") tudo conspira para o prazer supremo do cinema: a banda sonora, a sensualidade, o erotismo. Tony Scott pegou num triângulo amoroso entre vampiros e fez um filme a meio caminho entre o terror e o romance. Mas, neste caso especifico, o "meio caminho" é exatamente a estrada que tem de se percorrer.


 Embora tenha sangue em quantidade suficiente, "Fome de Viver" não é um filme de terror, apesar de ser um filme com muitas cenas horrorosas. A (excelente, diga-se) novela de Whitley Streiber, é transformada em algo totalmente novo, deixando para trás a sua origem, sem, contudo, nunca a renunciar.
 

A abertura de "Bela Lugisi's Dead" dos Bauhaus é apenas o principio para duas horas do melhor gótico que Hollywood tem para nos oferecer, e depois, a Miriam Blaylock, composta por Catherine Deneuve, ou a doutora Sarah Roberts de Susan Saradon, fazem o resto, com o John Blaylock de David Bowie a compor toda a trilogia.


A direção artística de Clinton Cravers (sim, sim, o mesmo de "Pink Floyd: The Wall" de Alan Parker) acaba com quaisquer duvidas que ainda houvesse. Ver "Fome de Viver" transforma-se numa experiência única para qualquer cinéfilo, pela atmosfera, pelo estilo, erótico e sangrento.


Não é um filme para uma tarde de domingo em família. É um filme adulto, visualmente agressivo e filmado de forma dramática, sem tentar esconder nada. Ao lado de "Drácula de Bram Stoker" é um filme sobre o drama da imortalidade, mais do que sobre o prazer de matar por sede de sangue. Estes vampiros são humanos: apaixonam-se e sofrem com a angústia da eternidade.