quinta-feira, dezembro 29, 2016

DESPERDICIO DE SUSPENSE


Qualquer história de Patricia Highsmith é um bom motivo para ir ao cinema, o que Hitchcock percebeu muito bem, quando adaptou "O Desconhecido do Norte-Expresso". Foi principalmente por causa dela que peguei neste "A Kind of Murder".


O que salta logo à vista é o extremo cuidado na imagem e na reconstituição da época, um colorido impecável e um guarda-roupa de excelência. Mas com o desenrolar do filme, percebemos que todo este design serve apenas para distrair do mais importante: o filme é desinteressante e todo o suspense da escrita de Patricia Highsmith é esbanjado sem qualidade.

 

A adaptação da estreante Susan Boyd não passa de uma esboço da história e todo o ambiente negro e dramático da autora original, perde-se numa sucessão de personagens sem interesse e sem empatia, quer uns com os outros, que com a audiência. Salva-se, talvez, Ellie (Haley Bennett), apanhada naquele turbilhão, sem perceber bem como.


 Patricia Highsmith - a rainha do suspense literário - merecia melhor, o que o realizador Andy Goddard - talvez demasiado viciado no ritmo da TV - nunca parece perceber, incapaz de dirigir um grupo de atores que já deu provas anteriores de poder fazer melhor, dando a impressão que estão ali como se estivessem noutro filme qualquer.


 "A Kind of Murder" tenta distinguir-se de outros filmes policiais, através duma abordagem cuidada na imagem, mas acaba por não passar disso. Falta-lhe interesse, drama, enfim, falta-lhe tudo, desde os personagens à realização. Mas acima de tudo, falta-lhe o aproveitamento da fantástica escrita de Patricia Highsmith, que consegue meter o leitor de cabelos em pé, da primeira à ultima página.


sábado, dezembro 24, 2016

ETERNAMENTE AGRADECIDO


Através do IMdB, fui dirigido de "El Cadáver de Anna Fritz" para este "The Autopsy of Jane Doe" e por isso estou-lhe eternamente agradecido, porque este é um dos melhores filmes de terror desde há muitas décadas. Não apenas uma colagem de cenas gore a despropósito, mas um monumento ao melhor horror dos anos 70 e 80, numa vertigem que há muito não via.


O realizador Adré Overdal pega num argumento de Ian B. Goldberg e Richard Naing - habituados a trabalhar para a televisão e, por isso, conhecedores duma impecável noção de ritmo - e constrói um filme absolutamente impecável, no que toca ao horror e ao mistério. Estou-lhe eternamente agradecido.


A história é simples: um cenário que parece ser de crime sangrento, com três ou quatro corpos. Um deles, uma bela e jovem desconhecida, sem sinais aparentes de qualquer tipo de violência. É, portanto, preciso perceber o que aconteceu, trabalho esse que começa pela a autópsia da rapariga, tarefa dos médicos legistas Austin e Tommy Tilden (Emile Hirsch e Brian Cox). Passaram-se não mais de 20 ou 30 minutos. Está na hora de apertar o cinto e começar a verdadeira corrida!


Sim, o filme também tem todos os clichés do género, sustos que pretendem ser imprevisíveis, telefones que não funcionam e telemóveis sem rede; sim, o final encontrado vai parecer rebuscado e quase infantil. Mas tudo isso é facilmente esquecido pela atmosfera intensa que o filme consegue criar, um hino irrepreensível ao melhor John Carpenter das séries "B". Aquele cinema de terror, ao qual não se lhe pode apontar defeitos, por muito que os encontremos no desenrolar da película.


Excelente ambiente de terror, personagens interpretados por atores competentes, tudo embrulhado numa fantástica direção. É por se fazerem filmes destes, que qualquer espetador - amante do terror ou não - fica eternamente agradecido.

quarta-feira, dezembro 21, 2016

TODO O AMOR DO MUNDO



"Mr. Church" é um filme sobre o amor, nas suas perspetivas mais variadas, mas, acima de tudo, é um filme feito com amor. Tudo, dentro desta obre, emana um profundo sentimento de paixão, e isso inclui a escrita sensivel de Susan McMartin, a realização cuidada de Bruce Beresford (sim, o mesmo de "Driving Miss Daisy" ou "Paradise Road"),  e a representação dos atores. Os mais sensiveis irão chorar - várias vezes!... -, mas não faz mal; são lágrimas de alegria e de prazer.



Eu nunca fui um grande admirador de  Eddie Murphy (Mr. Church), salvo algumas (muito) raras exceções. Por isso, este filme é quase um murro no estômago. É verdade que não está sozinho e isso faz toda a diferença, ainda por cima na companhia de Britt Robertson, Natascha MeCelhone ou as pequenas MecKnna Grace e Natalie Coughlin, que saltou das infantilidades da TV, para partir corações em "Mr. Church".


 "Mr. Church" é um filme para nos apaixonarmos, pelos personagens, pelas relações que estabelecem entre si, pelo sentimento de amizade que todos colocam no que fazem e na forma como interagem uns com os outros. Nada é por acaso na história e cada um sabe muito bem onde quer chegar. Este é aquele cinema que parte corações, deixa o estômago ao pé da boca e faz derreter o mais frígido. Estamos perante uma obre sobre emoções, que, acima de tudo, provoca emoções. Coisa rara hoje em dia!


 No mesmo sentido que é um filme sobre a vida, "Mr. Church" é um filme sobre a morte, sobre a importância do amor e da amizade, na salvação que daí retiramos ao partilha-los com os outros. Todos estes personagens têm uma relação profunda com quem os rodeia e consigo próprios, num circulo que acaba por incluir o espetador.


É raro acontecer, no cinema atual, que um filme partilhe tanta emoção, sem nenhum outro sentido que não seja esse mesmo: dividir sentimentos com a plateia. Não sei o que vai acontecer com "Mr. Church" nos prémios de cinema de 2016, a carreira do filme foi muito discreta, pouco publicitada, e o box-office não deve ter acumulado muitos zeros. Mas há uma coisa que eu sei: quem gosta de dramas, vai ficar com um enorme peso na consciência, se, por acaso, acabar por não o ver.

terça-feira, dezembro 20, 2016

CADÁVERES FAVORITOS


Anna Fritz (Alba Ribas) não é real, é uma capa de revista, uma criação dos media. O que os três amigos procuram em "El Cadáver de Anna Fritz" é essa mulher imaginária, que é criada no gigantesco ecrã. Tudo o resto é uma ilusão, uma sensação de posse que não passa de um sonho numa morgue.


 Hèctor Hernández Vicens estreia-se como realizador de longas-metragens neste filme claustrofóbico, passado quase inteiramente na morgue dum hospital. Mas se o filme começa quase como uma comédia, uma situação improvável num país civilizado, rapidamente encontra o seu caminho. Ao fim de meia hora, já percebemos que a coisa não vai ser tão simples como parecia ao principio.


 Há uma longa história cinematográfica de cadáveres sexy: "Lune Froid", "After Life", "J'aimerais Pas Crever Un Dimanche", uns mais politicamente corretos que outros. Hèctor Hernández Vicens começa por parecer não fazer muitas concessões, mas nada é o que parece e o filme rapidamente encontra o percurso que lhe convém.


O filme é violento, em muitos sentido do termo. Tem terror moral, tem gore, tem crime. Tudo na dose certa para o tornar interessante, no sentido em que a agressão, física e psicológica,  é o sal e a pimenta que tornam os pratos mais saborosos. Os personagens não precisam de grandes desenvolvimentos, estão ali para o que estão e nada mais - e nada menos.


 Afinal "El Cadáver de Anna Fritz" é um belo thriller independente - mesmo para a cinematografia espanhola -, capaz de criar estupefação, horror e suspense no espetador. É um filme perturbador e, ao mesmo tempo, fascinante.

segunda-feira, dezembro 19, 2016

QUANDO TUDO PODE ACONTECER


Nós já conhecemos o escritor Dennis Lehane de outras adaptações cinematográficas: "Shutter Island" de Martin Scorsese, ou "Mystic River" de Clint Eastwood, por exemplo. E tal como estes, "The Drop" tem um ambiente negro, que Michaël R. Roskam faz questão de sublinhar, com personagens densas e enigmáticas.


O realizador leva o tempo que for preciso para acentuar as cenas, nunca se apressando, tornando o filme quase lento, mas é precisamente essa precisão em não deixar nada para trás, que acentua o clima obsessivo do filme. Existe uma estranha sensação de que qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento, sem que o espetador saiba bem o que esperar.


"The Drop" é um belíssimo thriller, que vai fazer as delicias dos amantes do género, desde que saibam estar sentados à espera, sem nunca saber muito bem do quê. Aquela estranha sensação de que a qualquer instante algo vai surgir de trás da cortina, não necessariamente de forma explosiva, mas certamente de forma importante.


Em certos momentos o filme até parece previsível e são introduzidas histórias paralelas que não trazem nada de novo à acção. É uma critica que muitos lha farão, começando pela colagem de James Gandolfini (Marv) ao mafioso acabado, mais preocupado em livrar-se do peso do passado, que em assegurar a sua sobrevivência presente.


Roskam deixa os atores desempenhar os seu papel, limitando-se a filmá-los de forma a eles poderem respirar. Ficam a ganhar Tom Hardy (Bob) ou Noomi Rapace (Nadia), mas principalmente ficamos nós a ganhar, porque compõe-se um excelente policial, sem muito espalhafato, mas com muito interesse.

terça-feira, dezembro 06, 2016

O ABISMO... E UM PASSO EM FRENTE


"White Girl" não é para estômagos sensíveis. É um filme dramático sobre a descida ao inferno e embora a realizadora e argumentista Elizabeth Wood pareça fazer a sua heroína dar piruetas suficientes para sair incólume das sucessivas quedas, a verdade é que Leah (Morgan Saylor) irá certamente ficar prisioneira da sua aventura.


Este é um filme sobre a rua, sobre Nova York, sobre um certo submundo alimentado a cocaína, erva e outras drogas duras como rocha, filmado de forma crua e dura, com uma história violenta e violentadora. Tal e qual como os bairros periféricos, dos quais Summer, onde se passa grande parte da ação, é apenas um pequeno exemplo.


Sim, também é um filme sobre a paixão, sobre fazer tudo por amor, mesmo que o amor seja o passo para a frente, quando se está à beira do abismo. É por amor que Leah desde ao inferno, embora seja também por amor que tenta regressar. É um filme sobre o desespero das drogas, apesar de ser também de esperança. Não me entendam mal: não é um filme moralista; é apenas um filme que conta uma história. O resto, cabe ao espetador decidir por si.


Certamente todos nós conhecemos alguém que quer desesperadamente estar "in", sendo que, depois, luta desesperadamente por ficar "out". Leah e Katie (India Menuez) não são em nada diferentes de quaisquer outras jovens que partilham um apartamento que podem pagar e se tentam relacionar com o grupo da esquina, que, afinal, são os seus vizinhos.


Elizabeth Wood sabe filmar a rua; sabe como se vive na rua; sabe onde ir à noite, onde comprar droga e como se vende; sabe a linguagem e os tiques. Isso faz com que o filme seja ainda mais dramático. Percebemos que Leah poderia ser quaisquer dos nossos amigos. Tentamos manter-nos a salvo, olhando para o ecrã apenas como um espetador de fora, mas é difícil. É um filme que mexe com as entranhas, principalmente porque é passado nas entranhas.