quarta-feira, abril 25, 2018

DIFERENÇAS DE OPINIÃO

CRÉDITOS COMPLETOS

A produção da Netflix, apesar do seu cariz de entretenimento puro, tem-nos brindado com algumas obras bem interessantes - e lembro-me apenas do surpreendente "iBoy" ou da série televisiva "Por 13 Razões". Além disso, este "Mute" vem das mãos do realizador Duncan Jones, que já tinha feito "Moon" ou "O Código Base", portanto todas as expectativas eram legitimas.


Deixem-me já avisar que, à saída do cinema, as opiniões eram contraditórias: entre os que gostaram muito e os que saíram indiferentes. Eu estou nos segundos. O filme tem ares de ficção cientifica, passado numa Berlim de 2050 entalada entre o Leste e o Oeste, guardada por militares americanos que desertam do exército. No entanto, na verdade, também pode ser o romance entre Leo (Alexander Skarsgard / Levi Eisenblätter) e Naadirah (Seyneb Saleh).


Esta dualidade acaba por fazer o filme saltar entre histórias (aparentemente) sem relação, quebrando ritmos, dispersando a atenção do espectador e desinteressando a plateia, obrigando a concentração saltar entre assuntos, muitas vezes com pontas soltas. A(s) história(s) acaba(m) por não levar a lado nenhum e mesmo que o filme tenha um final - no sentido tradicional do termo -, ele deixa um simples sabor a vazio.


Por um lado temos Leo, barman mudo num bar de streep-tease, apaixonado pela empregada Naadirah que desaparece misteriosamente, obrigando-o a iniciar uma busca desesperada, percorrendo os meandros mafiosos duma Berlim de becos escuros e perigosos; por outro lado, temos Cactus Bill (Paul Rudd), desertor do exercito americano, que procura abandonar a cidade com a filha, pelo que aguarda ansioso por documentos falsos, cujo fabrico está a cargo do chefe do submundo.


Se ambas as histórias parecem interessantes e dariam pano para mangas, assim misturadas durante quase duas horas acabam por criar uma salada de sabores antagónicos. Se todos os elementos em separado podem fazer sentido, misturados perdem as propriedades próprias e o resultado final é um novelo emaranhado. Se o resultado final de "Mute" fosse outro, seria o exemplo perfeito da máquina da Netflix a funcionar na sua plenitude, exactamente para aquilo que foi criada. Mas não, um grão de areia empenou a engrenagem.


Os muros (já que estamos em Berlim) de reviravoltas forçadas, golpes de rins inexplicáveis e assuntos paralelos sem interesse directo, criam uma barreira de desinteresse por cada um dos temas centrais. Apesar duma banda sonora exemplar (como é hábito na Netflix e que vai de J:Mors a Nick Kershaw ou de Mr. Fuzz a David Bowie), "Mute" é uma sinfonia desafinada, não propriamente mal tocada, mas confusa.


Como disse um amigo meu, "Mute" é muito "bah!", no que foi contrariado por outro amigo que o achou "realmente interessante". Aparentemente aleatório no seu emaranhado, o filme acaba por tocar diferentes sensibilidades. A mim, pessoalmente, não despertou nada de especial, para além da curiosidade de saber como tudo aquilo ia acabar. E mesmo isso, deixou-me num vazio sem sentido. Mas é só uma opinião!

segunda-feira, abril 09, 2018

MESTRIA NARRATIVA

CRÉDITOS COMPLETOS

Brilhante, concreto e exemplar. "The Post" até pode parecer mais um duma longa tradição cinematográfica, em que o tema é o jornalismo, os jornalistas e as notícias, só que desta vez está nas mão de três monstros sagrados de Hollywood: Steven Spielberg, Tom Hanks e Maryl Streep. Parecendo que não, isto faz toda a diferença no produto final e o filme sai devidamente valorizado.


Não é de todo descabida a comparação que se vive no momento actual, com as sucessivas tentativas de desacreditação da imprensa por parte de dirigentes políticos. O jornalismo e os jornalistas mexem multidões, formas opiniões, influenciam as massas e isso é um poder que faz tremar as esferas onde se movem os candidatos. "The Post", embora passado nos anos 70, tem tudo a ver com a nossa época, tem tudo a ver com todas as épocas.


Kay Graham (Maryl Streep) foi a primeira mulher proprietária de um jornal, neste caso o The Washington Post, que, de repente, se vê envolvida numa guerra editorial com o seu concorrente The New York Times, envolvendo documentos secretos sobre a guerra do Vietname. Mais uma vez, o que salta à vista logo de imediato, é a capacidade da actriz de recriar grandes mulheres - coisa que já sabíamos com a composição de Margaret Thatcher em "A Dama de Ferro", mas que aqui repete de forma absolutamente brilhante.


À superficie, "The Post" é um thriller político, baseado em factos verídicos, na sequência - ou melhor, na antecipação - da obra-prima de Alan J. Pakula, "Os Homens do Presidente". Mas na realidade, é sobre as notícias que o poder não quer que sejam publicadas, aquelas noticias que realmente importa para a opinião publica e que têm influencia quando se trata de colocar os votos na ranhura da urna.


Steven Spielberg não se faz rogado e vai buscar para argumentistas Liz Hannah e Josh Singer - que, em conjunto ou separado, têm nas mãos vários episódios da série "Fringe" ou outro filme sobre jornalismo de investigação: "O Caso Spotlight". Todo este conjunto de actores de eleição, um realizador sóbrio e um argumento de qualidade, transformam "The Post" num momento de cinema único e absolutamente excepcional.


Só para terminar, "The Post" é também um filme feminista, no sentido em que conta a história duma mulher que assume de forma decisiva o papel de um homem, na direcção e orientação de um negócio - sim, porque um jornal não deixa de ser um negócio. Numa época em que as mulheres eram vistas como donas de casa pela generalidade da sociedade, incluindo elas próprias, Kay Graham assume o papel de líder contra a desconfiança e o preconceito.


Maryl Streep, Tom Hanks e Steven Spielberg, só podia funcionar bem, nem que fosse a filmagem de uma ida ao supermercado. O nível técnico e a mestria narrativa do realizador, juntam-se aqui a desempenhos exemplares e esmagadores. Tal como os seus protagonistas, "The Post" é um filme corajoso e motivador.

domingo, abril 08, 2018

HONESTIDADE MULTI-CULTURAL

Expresso do Amanhã: CRÉDITOS COMPLETOS

"Snowpiercer" carrega na bagagem a novela de BD "Le Transperceneige" de Lob, Rochette e Legrand, o director sul-coreano Bong Joon-ho - conhecido por "The Host" -, referências explicitas a "Elyseum" e "District 9" e, finalmente, uma elenco multi cultural, que inclui o "Capitão América" Chris Evans, passa pela estrela asiática Song Kang-ho, a quem se juntam vários ingleses com Tilda Swinton em destaque.


O que esperar, então, de tamanho cocktail? É a pergunta que muitos farão neste ponto. E eu posso assegurar que "Snowpiercer" segura todas as pontas com brilhantismo, mesmo que, em determinadas alturas, os espectadores mais atentos tenham a natural reacção tipo "eu já vi isto!..." Bong Joon-ho dirige de forma segura um filme que mantém o ritmo e o interesse do principio ao fim, sem que para isso tenha realizado uma obra-prima para a posteridade.


Na raiz do argumento, está a eterna luta de classes e as desigualdades sociais. Mas partindo desse ponto mais que visto, o filme desenvolve-se num ambiente claustrofóbico e tenso, sempre com momentos de acção e tensão. É uma daquelas obras que mantém a plateia presa ao ecrã sem dificuldade, com várias interpretações de excelência e uma montagem que acaba por surpreender, já que vem orientada por um mestre em flops, Harvey Weinstein.


Depois duma tentativa falhada para inverter o aquecimento global, o planeta fica gelado e sem vida. Os poucos sobreviventes habitam um comboio sempre em movimento, que está dividido entre as carruagens da frente, onde vivem os mais ricos, e as carruagens de trás, onde vivem os mais pobres, alimentados a barras gelatinosas de proteína. E embora muitos possam torcer o nariz a esta descrição sumária, a verdade é que o filme vive de forma exemplar dum grotesco pós-apocalíptico, que faria inveja ao próprio Philip K. Dick.


Tilda Swinton dá lições de interpretação - representado o que poderia ser uma Margarete Thatcher de ficção cientifica -, seguida de todo o elenco em grande esplendor. Na sua raiz mais profunda, "Snowpiercer" é apenas um filme sobre a luta entre bons e maus - aqui representados por pobres e ricos -, mas na verdade é um belo entretenimento, que vale a pena ser visto de olhos bem abertos.


Se a forma como toda esta metáfora funciona não é original nem surpreendente, o filme vai buscar a sua força a um design apelativo, a um ritmo muito bem gerido  e a uma honestidade inquestionável - da parte de todos os intervenientes, desde o realizador aos actores e técnicos. Enquanto a Primavera não desponta e o frio e a chuva continuam a massacrar-nos, "Snowpiercer" é uma bela desculpa para enfiar as pantufas e ficar em casa em frente ao ecrã.