sexta-feira, maio 19, 2017

CORAÇÃO E RAZÃO EM BONECOS REAIS

Ghost In The Shell: Agente do Futuro: CRÉDITOS COMPLETOS

"Ghost In The Shell" foi feito a partir de uma das mais fantásticas bandas desenhadas dos anos 90 (do século passado!) da autoria de Masamune Shirow e vem na sequência de uma obra prima da animação, realizada em 1995 por Mamoru Masamune. Quer se queira quer não, estes dois factos são fundamentais na abordagem deste filme e parecem sempre pairar como uma sombra sobre o resultado final, que, em minha opinião, fica muito aquém de ambos.

O que salta logo à vista é que o realizador Rupert Sanders não quis nunca perder a magia, o colorido, a fantasia que fizeram do original a história de culto em que se tornou à época. O filme é um desenrolar de desenhos, embora animados por atores reais, e os efeitos especiais funcionam muito mais que complementos da ação, são como mais um ator em cena. "Ghost In The Shell" quase que poderia ser folheado como um livro: é feito de bonecos brilhantes, repletos de aguarela luminosa.


A (ou "o"?) Major Motoko Kusanagi (Scarlett Johansson) é um robot com mente humana. Enquanto máquina, é um policia implacável, mas enquanto humano, está sujeito a todos os dramas da existência, principalmente se é permanentemente confrontado com conflitos entre as memórias e a realidade. Enquanto dispara em todas as direções, Motoko questiona-se sobre o sentido da vida ou, se quiserem, sobre o sentido da sua vida.


O parceiro Batou (Pilou Asbaek) vem introduzir mais um grão de areia para emperrar o mecanismo afinado da máquina do (ou "da"?) Major, criando um conflito que poderá ser amor, ou mais próximo disso que um robot pode sentir, porque Motoko tem cérebro mas não tem coração. Resta saber, se o centro da paixão é a razão ou o músculo cardíaco!


A história gira à volta de um pirata informático algo misterioso e difuso, chamado Kuze, que anda a assassinar todos os colaboradores da fábrica de robots Hanka, que, por acaso, foi onde a própria Motoko Kusanagi foi fabricada. Mas tudo isto é secundário num drama muito mais filosófico que policial, muito mais existencial que misterioso.


As criticas irão variar entre o ódio extremado e o amor incondicional. "Ghost In The Shell" é precisamente esse género de filme: não há como encará-lo com o meio termo tão defendido por Aristóteles. Haverá os que se vão perder em profundas analises filosóficas ou os que vão encontrar apenas infantilidades e ver apenas efeitos especiais. Ambos estão certos, mas ambos vão perder o que de melhor este filme tem: duas horas de excelente entretenimento, um filme de ação bem feito, um "tiro neles" inteligente e interessante.


Repito: em minha opinião, está longe da banda desenhada original e do anime de Masamune, até porque esses entusiasmaram-me demasiado quando tinha 20 e tal anos. Mas isso não lhe retira um pingo de interesse, se encarado como uma obra autónoma. Quem não esperar que seja no escurinho do cinema que vai encontrar quaisquer respostas às perguntas fundamentais da existência, vai divertir-se como um louco. "Ghost In The Shell" é divertido, muito divertido. Isso devia bastar. Nos dias que correm, é muito mais do que geralmente se consegue encontrar num filme.

quinta-feira, maio 11, 2017

CONTROLO MENTAL

CRÉDITOS COMPLETOS

Fazer uma crónica sobre "Upstream Color" é, antes de mais, fazer uma crónica sobre Shane Carruth, o realizador que foi aplaudido de pé no Festival de Sundance em 2004 com "Premier" e que regressa em 2013 com mais um puzzle desconcertante, que, novamente, vai deixar os espetadores dias e dias a tentar colocar as peças no lugar.


Posso garantir que nunca viram "Upstream Color" e, se pensam que viram, é porque consumiram um verme branco que vos deixou em estado alucinado, de mente vazia e completamente à mercê de quem quiser destruir-vos a vida. Foi o que aconteceu com Kris (Amy Seimetz).


"Upstream Color" é tudo: um thriller, um thriller romântico, um thriller romântico de ficção científica. Mas é acima de tudo uma forma extraordinariamente original de contar uma história, que se tem principio, meio e fim é por mero acaso, ou por consequência do consumo de alucinogénios. Se o espetador sabe sempre onde está, não é porque Shane Carruth o guie, é apenas porque viu o principio. O fim, a Deus pertence!...


Kris é vitima de um assalto peculiar, perpetrado com um alucinogéno peculiar. Quando consegue acordar, deu tudo - literalmente - e está arruinada. Mais tarde conhece Jeff (Shane Carruth) com quem parece ter muito em comum. O filme parece então ser dividido em capítulos: o assalto, a relaçao e o epilogo. O espetador que se oriente pelo caminho. Mas uma coisa posso garantir: ninguém vai sair do cinema indiferente.


"Upstream Color" parece ser uma analise dos conceitos de sensibilidade, identidade, memória e perceção, tudo - ou cada um - observado como se estivesse num microscópio, uma espécie de fenomenologia macabra do mais básico da objetividade humana. A metafisica da escuridão. Este é um daqueles filmes obrigatórios, para quem gosta de cinema, independentemente do critério de gosto que vier ao de cima no fim.


Tal como Kris, o espetador é colocado sob um estranho feitiço, que o leva pela mão - não sem enormes solavancos - através dum sonho em várias dimensões. Não há como resistir. No final, a plateia tomará a sua decisão: haverá os que sucumbem ao fascínio; haverá os que vomitarão devido à pressão no estômago. Em qualquer dos casos, vai ser uma experiência para recordar.