O PAI: créditos completos |
Este “The Father” deixa “Nomadland” a milhas de distância como melhor filme e só posso concluir que a atribuição do Óscar a uma obra de uma realizadora chinesa, só pode ter sido um acto de anti-trumpismo primário. Florian Zeller, juntamente com o argumentista Christopher Hampton (sim, o mesmo de “Ligações Perigosas”), adaptaram a peça do primeiro, transformando-a num filme absolutamente brilhante.
Não há muito a contar acerca do argumento: devido a alguma doença, nunca devidamente referida, Anthony confunde as pessoas e os locais do seu dia a dia. É tudo. Florian Zeller limita-se a seguir o personagem entre as divisões da casa, filmando confusões e enganos, criando um puzzle cujas peças nunca irão encaixar e onde o espectador nunca é parte desinteressada.
Anthony Hopkins é absolutamente brilhante na composição dum personagem confuso, para quem o presente e o passado de misturam numa espiral baralhada. Para o acompanhar, tem Olivia Colmen (a filha Anne) tão brilhante como o actor principal, testemunha por um lado, vítima por outro, da descida à loucura do pai. Se o primeiro possui uma infinita capacidade de variações, a segunda dá ao espectador uma profunda perspectiva do lado da família, que assiste impotente à degradação da pessoa amada.
Até ao momento, este foi o melhor dos nomeados a que assistimos. Um filme incomodativo, filmado de forma incomodativa, em que o espectador é uma parte activa da acção. Não tem o exibicionismo fútil de “Mank” nem o mistério de “Uma Miúda com Potencial”, é duma simplicidade desconcertante, filmado quase todo num simples apartamento – o que só acentua a sensação de confusão.
Todo o trabalho de montagem de Yorgos Lamprinos parece duma simplicidade desconcertante, sendo, no entanto, o pilar de sustentação de todo o filme, transformando “The Father” num filme sobre a demência, que realmente provoca arrepios e calafrios. É como se a família tivesse esquinas e recantos que não queremos explorar.
Combinando psicodrama com filme familiar, Florian Zeller dá-nos um retrato deprimente de como as peças desmoronam, com as pessoas, as casas e o próprio tempo a escorregarem entre os dedos como areia na praia. O pequeno-almoço transforma-se em jantar e o amanhecer em anoitecer num piscar de olhos.
Há amor em “The Father”, principalmente na presença calorosa e acolhedora de Anne, mas como a loucura de Anthony, esse amor é mais de provocar pesadelos que sonhos cor de rosa. Este é um filme sem final feliz e sem esperança, que arrasta o espectador juntamente com a demência do personagem.