Depois da experiência de “Once” em 2007, que valeu o Óscar
de melhor música original em 2008, John Carney regressa em 2013 com mais um
filme sobre música e músicos. Mesmo sem atingir o brilhantismo do primeiro, “BeginAgain” é um daqueles filmes que sabem bem ver, uma obra ligeira sem ser
superficial e humana sem ser pesada.
O que salta logo à vista é a empatia entre Mark Ruffalo (Dan)
e Keira Knightley(Gretta), mas todo o
resto do elenco parece divertir-se, o que cria uma atmosfera leve, sem nunca
deixar de ser competente. Os actores estão compenetrados do seu trabalho, sem
nunca deixarem que isso lhes tire a satisfação do que estão a fazer.
Divertido e competente são as palavras chave de “Begin Again”,
a história dum ex-famoso produtor, que decide investir numa artista que não o
quer ser, empenhando-se ambos na aventura de fazer um disco na rua
(literalmente!). As partes musicais não são desagradáveis e o drama, sendo algo
intenso e um pouco déjà-vu, não interfere com o a felicidade que emana de todo
o filme, sentindo-se em cada esquina, em cada gesto, em cada cena.
No meio de “Begin Again” há romance, corações traídos e
dramas familiares, mas é acima de tudo um filme musical ou, se quiserem, um
filme sobre música. Mais do que ter canções pelo meio, as canções são, elas
mesmo, como um outro personagem da história, que, vendo bem, gira precisamente
à volta delas.
“Begin Again” é uma boa escolha para uma tarde em família –
tema também central no filme -, vai criar uma saudável conversa sobre arte e
comércio – opiniões divergentes de Gretta e Dan, que ambos respeitam – e vai
deixar todos bem dispostos. Também é a repetição da formula que levou “Once” ao estrelato, mas isso é secundário no meio da diversão!
Os leitores destas pequenas crónicas cinéfilas, sabem que
os musicais não abundam por aqui. Já calcularam, obviamente, que não é um dos
meus géneros favoritos e têm razão. Foi por isso que decidi fazer um pequeno
exercício e tentar encontrar 10 filmes que me tenham entusiasmado acima da
média.
Para os mais atentos, vai faltar aqui muita coisa, de “Feiticeiro de Oz”
a “Cabaret”, de “Moulin Rouge!” a “Annie” e, claro, algumas obras primas da
Disney. Mas alguma escolha teria de ser feita e há aqui tanto de musicais, como
de filmes “com” música – o que, para ser claro, são coisas bem diferentes.
Se não foi o meu primeiro musical, deve ter sido quase. É
particularmente interessante, porque é um filme sobre cinema, a história duma
vedeta que se revela incapaz de se adaptar às novas tecnologias, neste caso, o
som. Sabemos hoje, que o próprio Hitchcock resistiu muitos anos a filmar com
som, coisa que se veio a revelar fundamental nos seus filmes, quando se rendeu.
A dança do chapéu de chuva, transformou-se num icon da própria
indústria do cinema e permanece no imaginário de qualquer cinéfilo que se
preze.
Qualquer lista de musicais, que não tenha este filme, é uma
fraude! A história duma freira rebelde e da família Von Trapp, é aquele filme que todos dizem odiar, mas que
todos já viram centenas de vezes – nem que seja uma espreitadela pela fresta da
porta, quando ouvem alguma música em particular.
Este filme conta a história dos últimos três dias da vida de
Cristo e começou por ser uma “ópera rock”, estreada em 1971 na Broadway, com
algumas estrelas da época. Desde aí, tem tido encenações por todo o mundo e em
todas as línguas.
Em 1973 Norman Jewisonlevou um grupo de actores para o deserto e pôs em filme a obra, que se
tornou notada pela mistura de elementos modernos com a história bíblica, que se
mantêm, tanto quanto possível, fiel às escrituras.
O projectou parece ter andado na cabeça de Pete Townshend
durante vários anos, até encontrar no realizador Ken Russel o parceiro ideal,
para levar à tela as loucuras que imaginou. Diz a Wikipedia que custou 3
milhões e facturou 43 milhões. Não deixa de ser um enorme feito!
Este filme tem, pelo menos, quatro versões, que foram
passando de geração para geração, a mais recente de 2018. Eu escolho a de 1976
porque foi a da minha geração, embora seja muitas vezes considerada a pior de
todas, tendo servido apenas para alimentar o ego de Barbara Streisand,
subjugando um Kris Kristofferson completamente desinteressado.
Que atire a primeira pedra, quem nunca se divertiu ao som de
“Summer Nights” ou “You’re The One That I Want”. A química entre John Travolta
e Olivia Newton-John é tão grande, que basta deixar rolar e Randal Kleiser –
sim, sim, o mesmo da “Lagoa Azul” original! – limita-se a andar de câmara na
mão atrás deles.
Este é um daqueles a que eu me referia, quando dizia ser
muito mais um filme com música, que um musical. Com Neil Diamond (um nome que
faz comichão a qualquer rocker que se preze) em excelente forma, conta a
história dum judeu numa família demasiado tradicional, que sonha romper os
laços e tornar-se cantor jazz.
É mais um daqueles que têm várias versões, tendo sido a de 1927 altamente aclamada. Talvez o primeiro
filme a aproveitar todas as potencialidades da nova tecnologia: o som. Pela
primeira vez os actores tinham voz e boa!
Ainda hesitei em meter este filme aqui, mas o meu fanatismo
por Francis Ford Coppola falou mais alto. Muito à frente do seu tempo na
técnica utilizada – chamaram-lhe “cinema electrónico” – “One From The Heart”
introduziu aquilo a que se viria a chamar “digital”.
Foi um falhanço a todos os níveis, tendo levado a Zoetrop
Studios à falência e obrigando Coppola a trabalhar por contratos, para pagar as
dívidas. É uma injustiça, porque é um filme maravilhoso e apaixonado. Hoje, o
público que o rejeitou, sofre com pesadelos de arrependimento.
Os ABBA devem ser a banda disco-pop de maior sucesso de
todos os tempos. A colecção de hits, de refrões fáceis e letras a circular na
boca do mundo, é tão grande, que qualquer “best of” fica quase infinito.
O que Phyllida Lloyd se limitou a fazer, foi pegar num
elenco de estrelas e coloca-las a cantar as músicas que todos conhecemos, no
contexto dum romance vagamente misterioso. O resultado é brilhante!
LA-LA LAND (MELODIA DE AMOR) 2016
Já aqui escrevi sobre “La-La Land” e tenho pouca coisa a
acrescentar. Este filme fez renascer dos mortos um género que já foi rei em
Hollywood. Os primeiros 10 minutos de filme, feitos num só take, permanecem no
meu imaginário, como uma das melhores cenas de abertura que já vi. Podia citar mais
algumas ao mesmo nível, mas não são para aqui chamadas.
“Island” começa com uma frase: “Aos 29 decidi matar a minha
mãe” – uma voz-off feminina, com o ecrã ainda negro. O que poderia ser uma mera
constatação de conversa de café sobre Freud – afinal já todos nós decidimos
matar o pai ou a mãe – vai manter-se suspensa por todo o filme. De forma obsessiva,
quase subconsciente, fica a pairar como uma faca sobre a cabeça, não do objecto
da intenção, mas da autora da sentença.
Elizabeth Mitchell e Brek Taylor filmam uma história sobre
silêncios e desencontros, mesmo quando os personagens conversam e estão juntos.
“Island” é muito mais sobre o que não se diz, sobre o frio desolador e pessoas
sós, incompreendidas e – porque não? – incompreensíveis. É sobre o nevoeiro que
cai à noite na floresta – quem se vai lembrar da Branca de Neve? – e o mar que
trás histórias de fadas e lendas de marinheiros.
Nikki Black (Natalie Press), sob o pretexto de trabalhar num
projecto de geografia humana, chega a uma ilha – que não se sabe onde fica, nem
como se chama. Aluga um quarto em casa de Phyllis (Janet McTeer), que tem um
filho, Calum (Colin Morgan). A partir daí, a história vai desenrolar-se de
forma crua e dura. Se acaba bem ou mal, cada um decida por si.
Os realizadores não fazem brincadeiras com as câmaras, nem o
filme vem embrulhado em coloridos de luxo. “Island” é frio como o tempo na ilha,
cru como a vida de pescador e misterioso como as histórias que o mar trás. Nada
aqui é supérfluo nem especialmente abrilhantado e até a banda sonora é tão
discreta, que chegamos a duvidar que exista.
Minimal até à exaustão, não vai agradar a todos os
espectadores. Eu gostei muito de “Island”, mas compreendo que muita gente não
esteja de acordo comigo e muitos vão mesmo desistir a meio, ou até antes. É
um filme tão simples que parece feio, feito daquela beleza que não se explica,
porque parece não estar lá.