sexta-feira, fevereiro 05, 2021

OS 9 AMADOS

 

 

Eu tenho paixões de estimação: Woody Allen, Alfred Hitchcock, Francis For Coppola... Umas mais consensuais que outras, mas os grandes amores são assim mesmo, com altos e baixos. Quentin Tarantino é uma delas e deve ser a única de que realmente gosto de tudo.

Na adolescência, Quentin Tarantino foi empregado num videoclube, onde consumiu cinema como um drogado consome heroína, exultou com os velhos westerns americanos e os velhos filmes de karaté chineses, os velhos mistérios da série “B” e os velhos gore, com sangue e miolos a escorrer pelas paredes. Tudo isso levou para os seus próprios filmes, juntamente com uma forma única de contar histórias, com a temporalidade alterada e uma violência atroz.

Em 1993 escreveu o argumento de “True Romance” (Amor À Queima-Roupa) , filmado por Tony Scott, e em 1994 escreveu o de “Nutural Born Killers” (Assassinos Natos), filmado por Oliver Stone, mas não ficou nada satisfeito com o resultado. Conseguiu financiamento para o seu primeiro projecto, numa noite de copos com Harvey Keitel, que se veio a tornar um dos seus talismãs.

Diz-se que Quentin Tarantino afirmou, no inicio da sua carreira, que faria apenas 10 filmes. Falta um!

1992 RESERVOIR DOGS (CÃES DANADOS) – Se querem sangue… Tomem lá!

Reservoir Dogs (Cáes Danados): CRÉDITOS COMPLETOS

 “Reservoir Dogs” é o principio da nossa história, mas é uma história que parece não ter principio. Um grupo de homens – completamente desconhecidos entre si e que se tratam apenas pelo nome de cores (Castanho, Azul, Branco, etc.) – planeiam um assalto que corre mal, criando entre eles a suspeita duma traição.

A tentar revelar o responsável pelo fracasso da acção, desencadeia-se uma onda de violência de tal forma brutal, que um armazém algures na cidade, se transforma num mar de sangue e carne humana trucidada. É o principio de um dos fetiches de Tarantino, que se há-de repetir em todos (ou quase, se bem me lembro) os seus filmes: uma cena em que todos apontam uma arma a todos.

Pode dizer-se que, para Quentin Tarantino, foi “tiro e queda”, proporcionando-lhe uma ascensão meteórica no meio cinematográfico. Segundo os sites especializados, custou pouco mais de 1 milhão de dólares e rendeu quase 3 milhões. A indústria de Hollywood nunca mais olhou para os independentes da mesma maneira.

 

1994 PULP FICTION – O regresso do deus da dança 

 

Pulp Fiction: CRÉDITOS COMPLETOS

Vai ficar na memória por muitas cenas icónicas – seria preciso só uma crónica para as nomear -, mas “Pulp Fiction” é muito mais que isso e a geração adolescente em ’94, nunca imaginará que aquele Vicent Vega, que no genérico aparece como John Travolta, tinha sido o deus da dança 30 anos atrás, deixando as meninas de cabeça à roda.

Em “Pulp Fiction” Tarantino usa e abusa da recuperação de velhos hits musicais, peças escondidas (e esquecidas) nos baús dos pais e avós. Já em “Reservoir Dogs” isso acontecia, mas é aqui que mais se nota, uma vez que a música é um elemento de importância fundamental no filme. Atingirá a perfeição em “Kill Bill”, mas é neste momento que salta à vista – ou, se quiserem, ao ouvido.

E depois temos Uma Thurman, a Mia Wallace cujo marido matava por causa duma massagem nos pés. Sexy, provocante, rebelde, a viciada em cocaína mais bela que o cinema nos apresentou. Mas temos mais: a Maria de Medeiros especialista em sexo oral, o Bruce Willis tão duro como qualquer McClane perdido num arranha-céus, o Samuel L. Jackson imune às balas…

Este filme é uma obra prima narrativa, irónica, mordaz e violenta – explicita e implícita. O filme duma vida. Se querem aprender como se deve filmar uma cena de consumo de droga injectável, “Pulp Fiction” é o vosso livro de estudo. 


 

1997 JACKIE BROWN – Quem quer ser assistente de bordo?

 

Jackie Brown: CRÉDITOS COMPLETOS

Depois de “Pulp Fiction”, nada seria como dantes. “Jackie Brown” sofre do defeito da antecipação, à qual Tarantino não foi imune. Tudo o que fez dos dois filmes anteriores obras notáveis, continua aqui, mas este funciona mais como uma pacificação consigo próprio e menos como uma intenção de impressionar os outros.

Tem o melhor de Smuel L. Jackson, que ainda voltaria a Quentin Tarantino mais vezes, e de Pam Grier, não desperdiça nada de Michael Keaton – já com o Batman de Tim Burton digerido -  nem de Bridget Fonda, nem de Robert De Niro. “Jackie Brown” há-de ser o mal-amado, quando, vendo bem, tem tudo o que se espera do realizador.

Se a história fosse simples, não seria um Tarantino, mas resumidamente, Jackie Brown é uma assistente de bordo que trafica droga para um mafioso. Quando é apanhada, aceita participar num esquema policial para prender o traficante, só que a intenção e a concretização estão separadas por um abismo, que mete meio-milhão de dólares no meio. 

“Jackie Brown” pode não ter a exuberância de “Reservoir Dogs” ou “Pulp Fiction”, mas merece toda a atenção e, no final, não ficam dúvidas que é um filme de Quentin Tarantino.


 

2003/2004 KILL BILL Vol, I e Vol. II – Pussy Wagon em forma de samurai 

Kill Bill - A Vingança: Créditos completos VOL. 1 e VOL. 2

 “Kill Bill” é um projecto que começou entre Quentin Tarantino a Uma Thurman, durante as filmagens de “Pulp Fiction” e é, acima de tudo, uma homenagem aos filmes de karaté, que o realizador consumia em doses industriais, quando trabalhava no videoclube da adolescência. Para além do karaté e de violência até à exaustão, tem uma noiva, que deve ser o samurai mais sexy da história do cinema.

Não se pense que “Kill Bill” se limita a prestar vassalagem a Uma Thurman. Se ela faz o papel que tem de fazer, Quentin Tarantino não deixa de fazer o seu.

Muitas cenas de luta remetem para o primeiro “Matrix” – que, afinal, criou o paradigma dos combates de artes-marciais a partir do final dos anos ’90 do século passado -, mas se há coisa que Tarantino nunca se preocupou, foi em copiar quem tem de copiar. Essa é, no fundo, uma das principais características dos seus filmes: reinventar tudo o que já foi feito.

“Kill Bill” levou cerca de meia-década a marinar, para acabar numas 5 horas de cortar a respiração, com cabeças pelo ar a esguichar sangue, lutas sem quartel onde entram pistolas, facas, katanas de samurai, cobras venenosas… E cereais de pequeno almoço… E cultura retro, ao ponto de ter ido, sabe-se lá onde, recuperar “Bang Bang (He Shot Me Down)” de Nanci Sinatra, para juntar ao ex-kung-fu da TV dos ’70, David Carradine.

Depois da pausa introspectiva de “Jackie Brown”, Quentin Tarantino regressa em todo o seu explendor.



 

2007 DEATH PROOF (À PROVA DE MORTE) – Tarantino goza com Tarantino

 

Death Proof (À Prova de Morte): CRÉDITOS COMPLETOS

A primeira londa-metragem de Steven Spielberg data de 1974, chama-se “Asfalto Quente” (“The Sugarland Express”) e é vagamente sobre um psicopata ao volante. Pode parecer que não tem nada a ver com Quentin Tarantino, mas é só para vos dizer que tem tudo a ver com “Death Proof”, porque em Tarantino nada é verdadeiramente original e é no gozo que ele tem em baralhar e dar de novo, que reside a sua originalidade.

Kurt Russel (Mike, o duplo) tem o volante nas mãos – literal e figurativamente – e deixa-se levar num carro “à prova de morte”, perseguindo duas meninas assustadas (Zoë Bell a fazer de si própria e Traci Thoms no papel de Kim). Só que as senhoras decidem ripostar e a coisa não acaba como Mike tinha previsto.

“Death Proof” funciona um pouco ao contrário, já que o climax é muito mais lento que o inicio. Mas não se iludam, que tem pedalada que chegue, é precisamente o meio que parece funcionar como um bocado de cola à pressa, para juntar duas histórias, que Tarantino quer, à força, transformar num só filme.

Em minha opinião, “Death Proof” daria uma curta de cortar a respiração, mas Quentin Tarantino devia ter um contrato a cumprir, pelo que, decidiu pegar nuns papeis que tinha lá na gaveta e fez um filme. Não é o melhor que se poderia esperar do realizador, mas não esperam pela demora!


 

2009 INGLORIOUS BASTERDS (SACANAS SEM LEI) – Odeio Nazis!

Inglorious Basterds (Sacanas Sem Lei): CRÉDITOS COMPLETOS

 Se Indiana Jones odeia nazis, é Quentin Tarantino que leva esse sentimento às últimas consequências, transformando heróis de guerra em sacanas impiedosos. Se “Pulp Fiction” é o filme mais exuberante, este “Inglorious Basterds” deve ser o filme que eu gosto mais. Não que isso seja uma opinião definitiva.

Durante este filme, muitos irão lembrar-se de “Alô Alô”, a fantástica série que a BBC produziu para a televisão nos anos  80, não só porque “Inglorious Basterds” é passado na França ocupada, mas também porque há obvias semelhanças - intencionais ou não - entre Shosanna Dreyfus (interpretada por Mélanie Laurent) e Yvette Carte-Blanche (interpretada na série por Vicki Michelle) ou entre o Coronel Hans Landa (Christoph Waltz) e Herr Otto Flick (interpretado na série por Richard Gibson). Mas há mais…

Como todos os filmes de Quentin Tarantino, “Inglorious Basterds” não foge à regra duma segunda ou terceira visualização, tal é a quantidade de elementos e de referências em cada cena, de piadas irónicas  e subtilezas que se desenrolam à nossa frente. E se “em tempo de guerra, não se limpam armas”, todas as atrocidades são desculpáveis, principalmente praticadas pelos “bons” da fita.


 

2012 DJANGO UNCHAINED (DJANGO LIBERTADO) –  A casa que escorria sangue

 

Django Unchained (Django Libertado): CRÉDITOS COMPLETOS

“Django Unchained” tem um dos finais mais gloriosos de toda a história do cinema. Uma cena de tiroteio entre cow-boys, que põe, literalmente, uma casa a escorrer sangue.

Pessoalmente, eu nunca fui muito de filmes do farwest, mas este Tarantino enche-me as medidas. Tem tando dos western-spaghetti – muito mais próximo de “Trinitá, cowboy insolente” – como dos velhos clássicos americanos; tem tanto de Sergio Leone ou Romón Torrado, como de John Ford ou Howard Hawks. É “Bonanza” e “Johnny Guitar” ao mesmo tempo.

Nesta altura, já as grandes vedetas solicitavam um papel nos filmes deste realizador e Quentin Tarantino está nas sete-quintas, pondo e dispondo as peças a seu belo prazer, mas quem brilha é Jamie Foxx como Django, o negro libertado da escravatura, que não olha a meios para encontrar a mulher que ama, empreitada para a qual conta com a (preciosa) ajuda do alemão ex-dentista e agora caçador de prémios Schultz (Christoph Waltz – sim, o nazi implacável de “Sacanas Sem Lei”!) .

Há quem acuse “Django Unchained” de parecer um pouco “descuidado”, como se Tarantino se sentisse tão confiante, que soubesse de antemão que não falharia. Mas, na minha opinião, é precisamente esse “desprendimento” que liberta toda a ironia que paira sobre o filme. Sem ela, tornar-se-ia duma violência isopurtável.


 

2015 THE HATEFULL EIGHT (OS OITO ODIADOS) – O ódio e uma cabana

 

The Hateful Eight (Os Oito Odiados): CRÉDITOS COMPLETOS

Depois de provar o saber do western, Quentin Tarantino não larga o prazer duma segunda doze. Menos esplendoroso – digo eu -, bastante comedido, “The Haiteful Eight” é muito mais um thriller de mistério numa casa fechada - muito ao jeito de Agatha Christie - e o facto de se passar no tempo dos cowboys é secundário.

Quentin Tarantino já ensaiara algo parecido com um filme passado dentro de uma sala, quando, em 1996, tinha ajudado Robert Kurtzman a escrever o argumento de “Aberto Até de Madrugada” de Robert Rodriguez, onde, aliás, desempenha um dos papeis centrais – se assim se pode chamar -, embora seja completamente engolido por George Clooney, Juliette Lewis ou Salma Hayek.

“The Hateful Eight” é, talvez, o mais óbvio “exercício de estilo” de Tarantino, mas isso não impede Jennifer Jason Leigh (Daisy Domergue, a condenada à forca) de brilhar mais alto, numa sala repleta de homens feios, porcos e maus, presos numa estalagem, no meio duma tempestade de neve.


 

2019 ONCEUPON A TIME… IN HOLLYWOOD (ERA UMA VEZ… EM HOLLYWOOD) – O cinema mata-me!...

Once Upon A Time... In Hollywood (Era Uma Vez... Em Hollywood): CRÉDITOS COMPLETOS

 (INTRODUÇÃO: 

 

Sharon Tate em "Por Favor, Não Me Morda O Pescoço" de Roman Polanski

No dia 9 de Agosto de 1969, Sharon Tate, esposa de Roman Polanski, grávida de 9 meses, foi brutalmente assassinada na sua casa em Hollywood, por Charles Manson e a sua seita de hippies fanáticos. 

 …Mas, se calhar, isto não tem nada a ver!...)

 Consumidor desenfreado de cinema, todos os filmes de Tarantino têm referências a outras obras. O principal problema de “Once Upon A Time… In Hollywood” é que essas referência são tão explicitas, que metade das piadas se perdem para quem não possua uma vasta cultura cinéfila.

Em “Oce Opon A Time… In Hollywood”, Quentin Tarantino dá largas à sua adição e recupera todos os heróis que viu passar nos ecrãs quando era adolescente, de Steve McQueen a John Wane. À primeira vista, Leonardo Di Caprio (Rick Dalton – sim, como os irmãos Dalton de Lucky Luke!...) e Brad Pitt (Cliff Booth) são os actores principais, mas, na verdade, pode-se dizer que tudo gira à volta de Margot Robbie (Sharon Tate), a vizinha do lado.

“Once Upon A Time… In Hollywood” tem tudo o que gostamos no cinema: de lança-chamas a mulheres sexy, de comida para cães a LSD. Atrevo-me a dizer que é as portas do Paraíso para qualquer cinéfilo e o próprio Paraíso, para quem perceber todas as piadas implícitas. E depois, se Uma Thurman arrasa em “Kill Bill”, Margaret Qualley (Pussycat) não lhe fica nada atrás aqui!

 


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