Os cinéfilos não podem deixar de gostar dum bom arrepio. O género de "terror" (não confundir com "gore", embora se cruzem em determinados momentos) é dos maiores sucessos de bilheteira, porque as pessoas adoram um bom arrepio, pagam para se assustar.
A ordem dos filmes que se seguem, é meramente cronológica e não representa qualquer critério de avaliação.
A partir de um conto de Daphne Du Maurier - que já tinha adaptado em "Rebecca" -, que, no original, não deve ter mais de meia dúzia de páginas, Alfred Hitchcock cria um festival de violência, fisica e psicológica, que se tornou um icon do cinema.
O filme começa numa loja de animais, onde Melanie Daniels (Tippi Hedren) compra um casal de piriquitos (que, em inglês, se diz "lovebirds"). Desde estes "pássaros do amor" (ou "pássaros de amor") até ao final enigmático e tenso, "o mestre" - talvez o maior realizador de todos os tempos -, brinca tanto com os personagens como com os espetadores.
Há filmes perfeitos? Se a resposta é afirmativa, então foi o que Roman Polanski conseguiu com Rosemary's Baby.
Tudo neste filme é de tal modo proporcional, que nada está a mais e nada poderia ser retirado. Cada voz, cada silêncio, cada ruído de fundo, tudo se combina de forma exemplar para o resultado final.
George A. Romero sabe muito bem o que se pode fazer com pouco dinheiro. E o que se pode fazer, é criar o maior monumento aos filme de zombies, que atualmente parecem estar tanto na moda. Há algures uma história: um satélite caído, radiações e uma doença. Nada de novo. Depois é uma sinfonia de carne podre e suspense, tudo levado ás ultimas consequência, sem a mínima contemplação pelo espetador.
Quando William Friedkin criou The Exorcist, nunca pensou ser engolido pela fama que Linda Blair iria ganhar, na interpretação da adolescente Regan, o que não deixa de ser uma enorme injustiça, já que a pequena jovem nunca teria brilhado sem o talento do realizador.
A propaganda dizia que era "o filme mais assustador de sempre", o que, à primeira vista, pode parecer um exagero publicitário. Mas a verdade é que, quem viu este filme, nunca mais o esqueceu.
Quando Steven Spielberg filmou "Jaws", ainda não era o "monstro sagrado" da atualidade, mas não há dúvida que já se anunciavam muitos "encontros imediatos" e muitos "E.T.'s". Considerando que "Firelight" é um filme perdido, esta é a segunda longa metragem da carreira do realizador e a cena de abertura permanece, ainda hoje, como das mais icónicas do cinema.
Misturando um certo sentido de comédia com um suspense exemplar, "O Tubarão" de Spielberg é o mais próximo daquilo que podemos chamar "terror para a família".
Duas ou três notas de música e está feito o filme com que John Carpenter assustou toda uma geração e com que a geração seguinte se apaixonou pela moda americana de festejar o dia dos mortos - uma celebração muito cristã e respeitável, transformada num monte de abóboras brilhantes.
"Halloween" (em Portugal, estupidamente chamado "O Regresso do mal"), é um filme de baixo orçamento, filmado como só os mestres do pouco dinheiro sabem fazer. E a verdade é que, sempre que Carpenter teve orçamentos de rico, nunca passou muito da mediocridade.
"Halloween" não tem nada de medíocre. É uma lição de terror puro e duro.
O monstro de Alien tornou-se uma das mais rentáveis imagens de terror de Hollywood, mas nada disso seria possível sem a mestria de Rideley Scott - sim, esse mesmo, de "Blade Runner" e "Thelma e Louise". Em "Alien" o realizador consegue tudo aquilo de que se faz um filme de terror e suspense perfeito. Gore, intenso, assustador, claustrofóbico, tudo embrulhado num ambiente gótico como nunca ninguém tinha conseguido antes e nunca mais ninguém conseguiu depois.
Desde o inicio, a atmosfera indica-nos que "algo está errado" e depois, é tudo menos "humano" e "civilizado". Tudo isso faz de "Alien" um filme de terror absolutamente genial. E esse terror não está só na criatura extraterrestre, mas em toda a atmosfera que envolve o filme. Pode não ter a ação de outros congéneres, mas leva o conceito de sufoco a um novo nível.
Ainda estamos para perceber se "Shining" é mais Stanley Kubrick ou mais Jack Nicholson. Em qualquer dos casos, nada seria possível sem os dois.
Baseado numa história de Stephen King - o tal que inventa terror até de contas do supermercado -, "Shining" é um grande filme muito mais pela realização de Kubrick e pela interpretação de Nicholson, que pela velha história das casa assombradas. Sangue a sair de elevadores e machados a voar, são pormenores secundários.
Esta não é a história de um cientista louco que se transforma numa mosca. O que David Cronenberg nos mostra não é mais que um acidente de trabalho num laboratório de investigação e Seth Brundle (Jeff Goldblum) nunca perde a sua mente analítica, mesmo quando é ele o objeto de estudo.
Salvo em um ou dois momentos específicos, nada neste filme é feito para assustar. O espetador é levado para o drama - porque tudo é mais "dramático" que "horrível" -, com a mesma sensatez com que Brundle é arrastado para a sua situação.
Não me entendam mal: vão ter medo; muito medo!
Francis Ford Coppola deixou-se de histórias e colocou o Conde Vlad no sitio certo. Dracula não é um principe de dentinhos afiados, mas um guerreiro implacável em busca do amor eterno. Erótico até mais não, "Dracula de Bram Stocker" vai à fonte - que é como quem diz, ao original de Bram Stocker - e transforma-se num filme memorável.
Para isso, ajuda um elenco fantástico, onde brilham Gary Oldman, Winona Ryder, Anthony Hopkins ou Keanu Reeves. Mas a lista do casting, só serve para dar ainda mais consistência a todos os momentos sangrentos e horríveis que se aproximam. Talvez "o amor nunca morra", como diz a publicidade, mas o que não morre mesmo é o nosso fascinio por este filme.
Não há nenhuma ordem especifica nesta organização. Não é "o melhor" que está em primeiro, nem é "o pior dos melhores" que está em último. A organização é arbitrária e aleatória, mas tem um sentido geral: sem estes discos, a música portuguesa não seria o que é!
O fado, puro e duro, na melhor Amália, escolhendo David Mourão Ferreira e Pedro Homem de Mello para poesia que lhe valeu alguns dissabores com a ditadura salazarista. Amália não é mais a menina-querida do regime, assume o seu lado rebelde, faz ouvir a sua voz, transforma o fado submisso numa música de revolta. Este disco não é só o melhor de Amália Rodrigues, é um disco central de toda a música portuguesa.
"Abandono" (David Mourão Ferreira)
Por teu livre pensamento Foram-te longe encerrar Tão longe que o meu lamento Não te consegue alcançar E apenas ouves o vento E apenas ouves o mar Levaram-te a meio da noite A treva tudo cobria Foi de noite numa noite De todas a mais sombria Foi de noite, foi de noite E nunca mais se fez dia.
Ai! Dessa noite o veneno Persiste em me envenenar Oiço apenas o silêncio Que ficou em teu lugar E ao menos ouves o vento E ao menos ouves o mar.
Ana Moura - "Para Além da Saudade", 2007
E ao terceiro disco, Ana Moura trás ao público o melhor que a nova geração de fadistas tem para dar ao fado. Ainda sem assumir o lado inovador que, nos últimos tempos, alguns artistas têm tentado introduzir, "Para Além da Saudade" mantém-se tradicional o mais possível, sem procurar rupturas. É fado, só!
"Búzios" (Jorge Fernando)
Havia a solidão da prece no olhar triste
Como se os seus olhos fossem as portas do pranto
Sinal da cruz que persiste, os dedos contra o quebranto
E os búzios que a velha lançava sobre um velho manto
À espreita está um grande amor mas guarda segredo
Vazio tens o teu coração na ponta do medo
Vê como os búzios caíram virados p'ra norte
Pois eu vou mexer o destino, vou mudar-te a sorte (bis)
Havia um desespero intenso na sua voz
O quarto cheirava a incenso, mais uns quantos pós
A velha agitava o lenço, dobrou-o, deu-lhe 2 nós
E o seu pai de santo falou usando-lhe a voz
À espreita está um grande amor mas guarda segredo
Vazio tens o teu coração na ponta do medo
Vê como os búzios caíram virados p'ra norte
Pois eu vou mexer o destino, vou mudar-te a sorte (bis)
À espreita está um grande amor mas guarda segredo
Vazio tens o teu coração na ponta do medo
Vê como os búzios caíram virados p'ra norte
Pois eu vou mexer o destino, vou mudar-te a sorte!
Clã - "Lustro", 2000
Não é só o melhor disco dos Clã, é um registo que marcou muito do que seria o (chamado) "rock português" para o novo milénio. A banda nunca abandonou o seu lado mais romântico, que já vinha de "Problema de Expressão", mas assumiu o lado mais rock, que dava alguns sinais em "GTI".
"Dançar Na Corda Bamba" (Hélder Gonçalves / Carlos Tê)
A vida é como uma corda
De tristeza e alegria
Que saltamos a correr
Pé em baixo, pé em cima
Até morrer
Não convém esticá-la
Nem que fique muito solta
Bamba é a conta certa
Como dança de ida e volta
Que mantém a via aberta
Dançar na corda bamba
Não é techno, não é samba
É a dança do ter e não ter
É a dança da Corda Bamba
Salta agora pelo amor
Ele dá o paladar
Mesmo que a tua sorte
Seja a de um perdedor
Nunca deixes de saltar
Se saltares muito alto
Não tenhas medo de cair (baby)
De ficar infeliz
Feliz a cem por cento
Só mesmo um pateta feliz
Dançar na Corda Bamba
Não é techno, não é samba
É a dança do ter e não ter
É a dança da Corda Bamba
José Afonso - "Cantigas Do Maio", 1971
Haveria sequer "música portuguesa" sem este disco? Os horizontes propostos em "Cantigas do Maio" são tão vastos e tão ricos, que qualquer registo musical posterior, virá aqui beber sempre alguma referência, mesmo que indireta.
Talvez existissem os Xutos & Pontapés, ou Rui Veloso, ou Mão Morta, mesmo que não houvesse "Cantigas do Maio", mas certamente seriam uns Xutos & Pontapés e um Rui Veloso e uns Mão Morta muito diferentes... Para pior!
"Milho Verde" (José Afonso, a partir de uma quadra popular)
Milho verde, milho verde
Milho verde maçaroca
À sombra do milho verde
Namorei uma cachopa
Milho verde, milho verde
Milho verde miudinho
À sombra do milho verde
Namorei um rapazinho
Milho verde, milho verde
Milho verde folha larga
À sombra do milho verde
Namorei uma casada
Mondadeiras do meu milho
Mondai o meu milho bem
Não olhais para o caminho
Que a merenda já lá vem
Anamar - "Almanave", 1987
Estou a ver muitos olhos esbugalhados a olhar para esta capa, uns de surpresa outros de desprezo. Quero deixar aqui claro que nunca fui assíduo frequentador do Frágil dos anos 80 e 90, não me move nenhum fascínio especial pela Anamar enquanto pessoa, enquanto porteira. Ela nunca me fez favores à entrada do Frágil, nem nunca me recusou lá a entrada. Vivo em paz com a minha consciência, quanto ao meu gosto pela música da senhora, que nem sabe cantar lá muito bem.
Anamar adultera o fado para um formado definitivamente pop e intruduz algumas composições da sua autoria. No conjunto, é um dos albuns mais inovadores da música portuguesa, antecipando em 30 anos o que hoje alguns autores tentam fazer com o (chmado) "novo" fado.
A cantora tem deficiências óbvias na voz, não chega a tons mais elevados e falha no médios, mas não foi por isso que foi vitima de uma obscena campanha para acabar com a sua carreira. A Anamar vivia num mundo de invejas e ressentimentos, na noite do Bairro Alto, frequentada por pseudo-intelectuais (uns mais falhados que outros) e só por isso foi um cordeiro imolado no seu estatuto.
O resto, a música de "Almanave", essa aqui está para quem quiser ouvir.
"Canção Do Mar" (Ferrer Trindade / Frederico de Brito)
Fui bailar no meu batel
Além do mar cruel
E o mar bramindo
Diz que eu fui roubar
A luz sem par
Do teu olhar tão lindo
Vem saber se o mar terá razão
Vem cá ver bailar meu coração
Se eu bailar no meu batel
Não vou ao mar cruel
E nem lhe digo aonde eu fui cantar
Sorrir, bailar, viver, sonhar contigo
Vem saber se o mar terá razão
Vem cá ver bailar meu coração
Se eu bailar no meu batel
Não vou ao mar cruel
E nem lhe digo aonde eu fui cantar
Sorrir, bailar, viver, sonhar contigo
Mão Morta - "Mutantes S21", 1992
E de repente, a música portuguesa ganha um estatuto realmente rock. Uma viagem alucinada (e alucinante) por várias cidades do mundo, começando em "Lisboa (Por Entre as Sombras e o Lixo" e acabando em "Shambalah (O Reino da Luz)".
A música contemporânea portuguesa já não deve nada a outras musicalidades anglo-saxónicas.
"Budapeste" (Adolfo Luxúria Canibal / Carlos Forte)
Cá vou eu no meu Traby
De bar em bar a aviar
Sempre a abrir a noite toda
Sempre a rock & rollar
Charro aqui charro ali
Mais um vodka p'ra atestar
Corro Peste corro Buda
Sempre a rock & rollar
As noites de Budapeste
São noites de rock & roll
P'las caves da cidade
São só bandas a tocar
Pondo tudo em alvoroço
Tudo a rock & rollar
Mulheres lindas de morrer
Mini-saias a matar
Não tem fim o reboliço
Tudo a rock & rollar
As caves de Budapeste
São caves de rock & roll
Carlos do carmo - "Um Homem Na Cidade", 1977
Enquanto outros se esforçam ainda hoje para trazer algo de novo ao fado, como se o fado pudesse ser "novo" ou "velho", em 1977, Carlos do Carmo fez com a naturalidade do talento ímpar, o que muitos (ou todos, se calhar) ainda não conseguiram: o novo fado, não no sentido desesperado de lhe dar uma aparência, mas ir às suas entranhas e esventrar a música, espalhando-lhe as vísceras pela calçada. "Um Homem Na Cidade" é um disco onde a tradição se reclama de inovadora. E, a partir daqui, nada ficaria como dantes, também por culpa de poetas como Ary dos Santos.
"Um Homem Na Cidade" (Ary dos Santos)
Agarro a madrugada
como se fosse uma criança,
uma roseira entrelaçada,
uma videira de esperança.
Tal qual o corpo da cidade
que manhã cedo ensaia a dança
de quem, por força da vontade,
de trabalhar nunca se cansa.
Vou pela rua desta lua
que no meu Tejo acendo cedo,
vou por Lisboa, maré nua
que desagua no Rossio.
Eu sou o homem da cidade
que manhã cedo acorda e canta,
e, por amar a liberdade,
com a cidade se levanta.
Vou pela estrada deslumbrada
da lua cheia de Lisboa
até que a lua apaixonada
cresce na vela da canoa.
Sou a gaivota que derrota
tudo o mau tempo no mar alto.
Eu sou o homem que transporta
a maré povo em sobressalto.
E quando agarro a madrugada,
colho a manhã como uma flor
à beira mágoa desfolhada,
um malmequer azul na cor,
o malmequer da liberdade
que bem me quer como ninguém,
o malmequer desta cidade
que me quer bem, que me quer bem.
Nas minhas mãos a madrugada
abriu a flor de Abril também,
a flor sem medo perfumada
com o aroma que o mar tem,
flor de Lisboa bem amada
que mal me quis, que me quer bem.
Rui Veloso - "Mingos & Os Samurais", 1990
Muitos reclamam que "Ar de Rock" é o disco que realmente merece figurar aqui, mas esquecem-se que este "Mingos & Os Samurais" é, provavelmente, muito mais o verdadeiro Rui Veloso e Carlos Tê. Se é verdade que o primeiro mudou a face do rock português, a verdade verdadinha é que o segundo levou a música urbana portuguesa onde nenhum outro tinha ido.
Indo buscar influências às mais imprevisíveis das paragens, de Marco Paulo a Elton John, "Mingos & Os Samurais" não só tem uma coleção de êxitos incontornáveis - mas isso "Ar de Rock" também tinha, é verdade! -, como demonstrou que há um público transversal para os novos sons modernos.
"Não Há estrelas No Céu" (Carlos Tê)
Não há estrelas no céu a dourar o meu caminho,
Por mais amigos que tenha sinto-me sempre sozinho.
De que vale ter a chave de casa para entrar,
Ter uma nota no bolso pr'a cigarros e bilhar?
A primavera da vida é bonita de viver,
Tão depressa o sol brilha como a seguir está a chover.
Para mim hoje é Janeiro, está um frio de rachar,
Parece que o mundo inteiro se uniu pr'a me tramar!
Passo horas no café, sem saber para onde ir,
Tudo à volta é tão feio, só me apetece fugir.
Vejo-me à noite ao espelho, o corpo sempre a mudar,
De manhã ouço o conselho que o velho tem pr'a me dar.
A primavera da vida é bonita de viver,
Tão depressa o sol brilha como a seguir está a chover.
Para mim hoje é Janeiro, está um frio de rachar,
Parece que o mundo inteiro se uniu pr'a me tramar!
Vou por aí às escondidas, a espreitar às janelas,
Perdido nas avenidas e achado nas vielas.
Mãe, o meu primeiro amor foi um trapézio sem rede,
Sai da frente por favor, estou entre a espada e a parede.
Não vês como isto é duro, ser jovem não é um posto,
Ter de encarar o futuro com borbulhas no rosto.
Porque é que tudo é incerto, não pode ser sempre assim,
Se não fosse o Rock and Roll, o que seria de mim?
A primavera da vida é bonita de viver,
Tão depressa o sol brilha como a seguir está a chover.
Para mim hoje é Janeiro, está um frio de rachar,
Parece que o mundo inteiro se uniu pr'a me tramar!
Tantra - "Mistérios e Maravilhas", 1977
Antes, muito antes do boom do rock portugês, muito antes do(s) "Chico Fininho", "Cavalos de Corrida", "Elevador da Glória", um grupo viciado em Genesis e Yes - o que lhes valeu algum desprezo na altura - enchia o Coliseu de Lisboa para levar à cena um espetaculo conceptual, psicadélico e alucinante. "Mistérios e Maravilhas" é o primeiro disco realmente rock, cantado em português, sem concessões ao politicamente correto ou ao gentio que fazia a(s) moda(s).
É verdade que estive em Cascais em 1975, para ouvir "The Lamb Lies Down on Broadway" - e poderia ter vivido igualmente feliz, se não estivesse -, mas, muito mais importante, também estive no Coliseu de Lisboa em 1978 - e, isso sim, não poderia ser a mesma pessoa, se isso não tivesse acontecido!..
Um dos dilemas mais frequentes no cinema, é quando estamos perante um filme que tem tudo para ser excelente e, no fim, percebemos que algo falha no conjunto. Não se pode dizer que o argumento de "Blackway" seja realmente original - mas, nas mãos certas, isso não é necessariamente um obstáculo intransponível, assim a direção o deixe seguir o seu caminho.
O realizador Daniel Alfredson - esse, da série Millennium - juntou em "Blackway" um elenco de fazer inveja a qualquer um. E se Anthony Hopkins não precisa de se esforçar muito, Julia Stiles é uma Lillian distante, quase desinteressada e Ray Liotta é um Blackway algo ausente, pouco assustador, considerando que é o centro de toda a ação.
Voltando à pergunta inicial: o que falha num filme, que tem tudo para ser excelente? Um bom elenco, um bom realizador, um argumento - não propriamente original - que pode ser tratado de forma competente, enfim, é como uma mesa de cozinha com todos os ingredientes de qualidade, onde um cozinheiro tem de tomar as opções certas para fazer um bom prato.
Não me entendam mal: "Blackway" não é um mau filme; mas também não é um bom filme. Podia ter ação, suspense, drama, mas afinal não tem nada em quantidade e qualidade que mereça ser notado. É um prato requentado, considerando os ingredientes disponíveis - neste caso especifico, um conjunto de atores brilhantes... Noutros filmes!...
A realização não cria empatia e os atores parece que andam por ali a desempenhar um papel que não lhes pertence. Se é verdade que o filme não aborrece por aí além, também é verdade que muito menos entusiasma. É tempo totalmente perdido? Não. É uma hora e meia daquele cinema que entra e sai e não deixa cicatrizes. Ás vezes, pode ser mesmo o que está a apetecer!
Eu perco-me por um bom thriller; e quando um bom thriller encontra um realizador como Mennan Yapo, estão é a felicidade total; e quando um bom thriller, bem realizado, tem atores que sabem interpretar o suspense da história, então é o Éden, antes do pecado original.
"Premonition" tem tudo isso, é como a alma gémea dos doidos por thrillers e suspense, género de cinema que é alimentado pela surpresa e pelo imprevisto, e para isso é preciso enganar o público. O espetador acredita no que não vê, mais do que no que vê, o que o faz supor o que não está lá. É aldrabado pelo que imagina, mais do que lhe é dado.
Mas como ninguém gosta de ser aldrabado, é preciso muita mestria na manipulação das imagens e da informação, para que o espetador consiga ter a sua imaginação enjaulada e a sua atenção devidamente direcionada. Os atores têm que desempenhar o seu papel de ilusionistas e a realização tem de guardar a informação de tal forma, que não destrua a história.
Há quem prefira ver à lupa algumas inconsistências do guião e, com isso, perder algum do divertimento da surpresa, que vem com a inconsistência seguinte. Brincar com a roda do tempo nem sempre necessita de alicerces sólidos. O próprio tempo é volátil e surpreende-nos a cada momento. Os pormenores podiam ter sido trabalhados à exaustão paranóica, mas isso talvez retirasse alguma fluidez ao ritmo e um filme é um filme, não um exercício de dedução lógica. Andar a saltar de dia para dia, não só fora da sequência tradicional mas
com acontecimentos cruzados, é coisa para dar a volta à cabeça de
qualquer um.
Também é verdade que "Premonition" vem embrulhado num elenco de luxo,
mas já aqui escrevi sobre embrulhos dourados, que depois não tinham
nada lá dentro. Se os nomes do casting ajudam a gostar do filme, é
precisamente porque se esforçam e fazem o seu papel.
Eu sou fanático por um bom romance, mesmo que já tenha 10 anos de idade, e é precisamente isso que "The Lake House" é: um daqueles raros momentos de cinema, que, quando termina, sabemos que certamente merecerá ser revisto uma segunda vez.
"The Lake House" é um filme sobre o tempo e nunca renuncia ao mistério da passagem dos dias. Vai dando pistas ao longo do percurso, no momento certo, fazendo com que o próprio espetador seja tão surpreendido como os próprios personagens. Nada acontece por acaso e tudo tem o seu instante de acontecer, quer para nós, que estamos de fora a ver, quer para os personagens Alex Wyler (Keanu Reevs) e Kate Forster (Sandra Bullock).
Se é verdade que, em contracena direta, Reeves e Bullock passam pouco mais de 20 ou 30 minutos juntos, também é verdade que, mesmo separados no ecrã (e no tempo), os atores têm a química que faz um romance valer a pena. E, como todos sabemos, sem química um romance é como um bico de Bunsen sem chama: a experiência não dá resultado!
Temos muitos exemplos dessa relação especial, tão necessária para que um drama tenha intensidade - lembram-se de "Ghost"? Ou, claro, de "Casablanca"? Com o habitual risco de me esquecer de algum!... Em "The Lake House" tudo é perfeito na relação entre Alex e Kate e o realizador Alejandro Agresti não se faz rogado a explorar essa faísca que passa entre os personagens - mesmo quando é o caso de nem sequer se cruzarem diretamente na cena.
Para além do romance e da brincadeira com o tempo, o filme é também um belo drama familiar, que não afetando diretamente a relação do romance, serve para colocar os personagens no lugar próprio. Dá-lhes consistência e personalidade. Este é um daqueles momentos de cinema em que nada parece estar a mais e cada coisa faz a falta necessária para aquilo que tem de lá estar.
Se nenhum arquiteto tivesse construído aquela casa, naquele lago, então os deuses estariam todos enganados, o que não é possível, como sabemos. Aquela casa teria de ser edificada obrigatoriamente - nem que fosse, só para fazer este filme!
"Wildlike" é um drama intenso e doloroso. É sobre o silêncio da dor mas, ao mesmo tempo, sobre o otimismo da cura. A história dá-nos tudo o que é preciso em 20 minutos e depois entra em
velocidade de cruzeiro, parecendo quase não sair do mesmo lugar.
O abuso das mulheres nem sempre é notícia de primeira página, anunciada por megafones. Muitas vezes é oculta e privada e o sofrimento é vivido no mais profundo dos isolamentos. A tendência, depois, é contá-la em tom paternalista ou lamechas e é aí que o realizador consegue fazer um filme que foge aos clichés habituais.
É por isso que "Wildlike" não é um filme sobre a vitimização das mulheres, mas antes um filme sobre resistência e esperança e como o mais pequeno dos gestos, pode fazer a maior das diferenças. Várias referências me vieram à memória, entre elas "Uma História Simples" de David Lynch, porque "Wildlike" é também uma história de redenção, tanto quanto de busca.
Gostei muito deste filme, gostei muito da forma como Frank Hall Green - mais conhecido como produtor do que como realizador - aborda o tema com seriedade e sem preconceitos; gostei muito de como liberta Mackenzie (Ella Purnell) do estigma da vitima inocente e gostei muito de como usa a paisagem e o ambiente, de forma libertadora e pacificadora.
O verdadeiro Eddie Edwards foi um perdedor (desportivamente falando) o que é completamente diferente de ser um falhado. Participou pela Inglaterra nos Jogos Olímpicos de Inverno de 1988, e ficou em último lugar, quer na rampa de 70 metros, com 20 metros a menos que o penúltimo, quer na rampa dos 90 metros, a 30 metros do primeiro. No entanto... Foi recordista inglês... Porque não havia saltadores de ski em Inglaterra...
Pergunta: porquê fazer um filme sobre Eddie Edwards? Afinal, "Eddie The Eagle" é sobre quê exatamente? Sobre a habitual sede de vitória, que leva um perdedor nato a um determinado momento de glória? Não. Sobre a vontade de vencer? Também não, que o nosso herói sabe, à partida, que não pode ir longe. Então, sobre que é o filme, no seu sentido mais lato?
A resposta é dada no fim, nas palavras do próprio Pierre Coubertin - considerado o "pai" dos jogos olímpicos da era moderna: "O importante na vida não é a vitória mas a luta por ela; o essencial não é a conquista, mas ter realmente tentado". Ou, dito por outras palavras, "ganhar ou perder, tudo é desporto", o que mete qualquer (verdadeiro) atleta de alta competição de cabelos em pé!
Já várias vezes aqui elogiei a filmografia inglesa, pela sua enorme excelência de encenação, quer em tragédias quer em comédias, fazendo uso duma dramatização e dum ritmo próximos da perfeição. Só que o cinema inglês - como o europeu em geral - não usa a lágrima fácil nem a gargalhada sonora. Este é um excelente motivo para gostar de "Eddie The Eagle". A inteligência para criar um drama que é, em certo sentido, uma comédia de vida.
Eddie, o verdadeiro, saiu de Calgary, no Canadá, sem medalhas, mas saiu também em glória. Recordista inglês do salto de ski e admirado pelo público que, acima de tudo, valoriza o "tentar realmente". "Eddie The Eagle" é um filme de que se gosta sem dificuldade e tem muitos motivos para que isso aconteça: uma banda sonora inteligente, colocada no momento certo e fazendo uso de exitos conhecidos e fáceis de agaradar; e alguns planos deslumbrantes, que ficam a ganhar com o ecrã grande.
O filme é como o próprio Eddie Edwards: despretensioso mas convicto; humilde mas decidido. Tudo características que ficam bem num cinema que se quer mais virado para o espetador que para a bilheteira. E o público sabe reconhecer o despretensiosismo e a humildade, e valoriza a convicção e a honestidade Vai ser o "filme das nossas vidas"? Não, certamente. Mas vai ser um filme que vale a pena ser visto.
Decidi ver "Get a Job" por causa da Anna Kendrick, uma admiração antiga do tempo da saga "Twilight". Quando estamos perante as múltiplas escolhas à porta do cinema, há sempre uma razão para escolher um filme e não outro - o realizador, a banda sonora, os Óscars que ganhou (ou não). A minha foi a Anna e é uma razão tão boa como outra qualquer (ou, visto por outro prisma, é uma razão melhor que qualquer outra!)
O problema de "Get a Jpb" é que não vai a lado nenhum, pretendendo ser uma comédia ou um drama ou um romance ou uma crónica sobre a crise atual. O cruzamento dos personagens é inócuo, não existe química entre Jillian (Anna Kendrick) e Will (Miles Teller), as histórias parecem soltas e sem uma ponta que as una do ponto de vista dramático, embora os argumentistas
Kyle Pennekamp e Scott Turpel tentem a todo o custo dar alguma sequência interessante aos vários dramas que se vão desenrolando.
Uma comédia deve fazer rir ou, pelo menos, deve ser divertida - Blake Edwards e Peter Sellersfaziam isso na perfeição - e um drama deve ter uma sequência de tensão que interesse ao espetador - vale a pena falar do recente "The Revenante"? E é aí que "Get a Job" falha completamente.
Quando quer fazer rir, não consegue; e quando quer ser algo dramático, o riso - ou sorriso - que se perdeu na cena anterior, parece ficar engasgado na sequência dramática seguinte. Não basta colocar uma série de pós-universitários a fumar drogas, para fazer um retrato da juventude e das dificuldades da vida atual. É preciso mais, senão muito mais, pelo menos algo mais.
É verdade que é um filme de baixo orçamento - ou, pelo menos, parece ser - e podemos considerar alguma condescendência, mas depois tem um elenco com talento suficiente para fazer melhor: Bryan Cranston, Maria Gay Harden, Jorge Garcia... Todos parecem andar ali à deriva, algo perdidos e à procura de alguma orientação, tentando saber exatamente para onde ir. Ninguém lhes dá uma resposta e acabam por não ir a lado nenhum!