O manual do terror de "Série B" está escrito há décadas, em páginas comportas por George A. Romero ou Roger Corman, com alguns alunos brilhantes como John Carpenter ou Wes Carven, por isso David F. Sandberg limitou-se a seguir as instruções e é por isso que "Lights Out" (marcado como "II" porque é baseado numa curta metragem do mesmo realizador) é dum brilhantismo tão simples que o espectador não consegue tirar os olhos do ecrã, passinho a passinho até ao final inesperado.
Sophie (Maria Bello) mãe de dois filhos, sofre de perturbações mentais, alimentadas por dois casamentos desastrosos - em vários sentidos -, acabando os irmãos Rebecca (Teresa Palmer) e Martin (Gabriel Bateman) envolvidos numa teia de terror. É a partir desta simplicidade exemplar, que David F. Sandberg deixa a plateia em suspenso (mais do que em "suspense") durante os 90 minutos que dura o filme.
Ao contrário de outros exemplares - muitas vezes menos brilhantes -, Sandberg não espelha tripas pelo caminho, antes limita-se a levar o espectador por um labirinto esmagador e obsessivo, criando uma tensão que vai enchendo como um balão. E este inflar rebenta com estrondo, num climax final de fazer inveja a muitos realizadores, talvez mais mainstream, mas certamente com menos pontaria para acertar no alvo.
"Lights Out" vai ter uma continuação em 2018 - ainda não percebi como nem porquê -, coisa que não sabemos como irá correr. mas este capitulo inicial vai ficar como uma excelente amostra de horror de baixo orçamento. Se por acaso estiverem a pensar juntar os amigos para uma noitada de Ano Novo, aqui está um DVD que vai ser uma excelente companhia para a festa.
Fui para "M.F.A." sem quaisquer expectativas. Apenas uma tarde de tédio sem nada para fazer e escolhe-se uma sala de cinema para passar o tempo vazio. Várias razões fizeram-me decidir por este e não por outro qualquer: ser essencialmente um filme feminino (Natalia Leite, a realizadora, Leah McKendric, a argumentista, e Francesca Eastwood, a actriz principal) e o facto de ser dirigido por alguém que fala português - Natalia Leite é brasileira, nascida em São Paulo.
O cinema está repleto de vingadores, de Charles Bronson a Jodie Foster e Natalia Leite sabia bem que não tinha muito de novo para apresentar. Por isso decidiu-se pelo mais simples, contar a história sem grandes piruetas, ir pela estrada mais curta sem se meter em atalhos. É por isso que o filme ganha uma dimensão avassaladora, investe em profundidade, como uma pintura que ganha uma nova perspectiva com as sombras e a luz, que transformam em 3 dimensões um quadro que, na realidade, só tem duas.
Noelle (Francesca Eastwood), tímida estudante de arte, é violada numa festa. A partir daí, transformada numa nova mulher e numa nova artista, inicia uma implacável vingança, sabendo que o silêncio e a hipocrisia fazem parte da vida académica, quando se trata de esconder e calar casos semelhantes. "M.F.A." é, logo à partida, um grito contra um status quo instalado na vida universitária, que reprime as vitimas, salvaguardando os agressores.
Natalia Leite afirmou numa entrevista que ela própria foi estudante de arte e ela própria foi vitima de violação, sofrendo na pele o silêncio dos que a rodeavam. Talvez por isso o filme tenha uma carga emocional tão poderosa. À superfície de um thriller de "série B", esconde-se um grito de censura às autoridades académicas e policiais, que tratam com ligeireza e desdém casos frequentes de violência sexual entre estudantes, com a desculpa de proteger o bom nome de instituições e de alunos.
"M.F.A.", apesar das expectativas, é um filme para se ver com atenção, descomplicado, directo, bem dirigido e bem interpretado. Um thriller pontuado pelos habituais clichés do género, sem nada de novo ao primeiro olhar, mas com ritmo, sem tempo perdido a fazer-se passar pelo que não é, e com orçamento obviamente limitado mas com todos os cêntimos gastos com critério e no lugar e no tempo certos.
O que começou por ser uma tarde de tédio, acabou num excelente exemplo de cinema. Num ano em que se gastaram milhões em guerras nas estrelas ou em planetas fantásticos - alguns com evidente desperdício de recursos e de criatividade -, "M.F.A." levanta bem alto o sangue quente da cinefilia de excelência, aquela que conta para uma tarde bem passada no escurinho do cinema.
A ideia central de "#Stuck" (vá-se lá saber o porque do hashtag!...) não é particularmente original: uma noite de copos e sexo ocasional que acaba em romance sério, mas a ideia particular deste filme é interessante; Madeline Zima (Holly) e Joel David Moore (Guy) nem vão particularmente mal; então, porque é que há qualquer coisa que falha no conjunto?
O realizador e argumentista Stuart Archer tenta desesperadamente parecer original, onde lhe bastava apenas seguir o instinto, onde lhe bastava simplificar em vez de complicar. "#Stuck" não é totalmente desinteressante, mas o uso constante de flash-backs para contar a história do dia anterior, alguns deles totalmente ridículos e desadequados, quebra o ritmo e distrai o espectador.
Como comédia é inteligente, mas o pretenciosismo com que o exibe acaba por estragar a simplicidade com que devia ser apresentada. Zima e Moore têm empatia, a maioria dos diálogos são bem conseguidos, a ideia geral é apelativa. Mas Stuart Archer que acaba por desconjuntar o puzzle, fazendo o que não lhe é pedido: distrai a plateia com o secundário.
"#Stuck" não é uma total perca de tempo, apesar de ser o espectador que se vai sentir preso no filme, mais que Holly e Guy se sentem presos no trânsito. O filme é curto e devia ser directo, mas o pouco tempo parece estender-se mais que o necessário, como uma fila de trânsito, daquelas que tendem a aparecer precisamente quando temos mais pressa.
Já aqui falámos de várias comédias românticas, algumas delas tão fáceis que surpreenderam por isso mesmo. Este filme tem na mão todas as possibilidades, uma ideia interessante e actores devidamente competentes. Mas depois esbanja-as em qualquer coisa que não encaixa completamente, como se lhe faltasse uma peça, como se ficasse a meio do caminho, preso no trânsito que não vai a lado nenhum.
Os mais atentos irão reparar que esta pequena homenagem aos Xutos & Pontapés, demorou muito mais a sair que as anteriores sobre a morte de outros músicos. É que a morte do Zé Pedro é muito mais que a morte de um músico, para mim e para a generalidade dos melómanos rock portugueses.
Eu e o Zé Pedro não éramos propriamente amigos - no sentido literal do termo -, mas partilhámos experiências, trocámos copos de vodka, conversámos sobre música. Além disso, não deve haver um único português que não tenha alguma relação com uma música dos Xutos, algum refrão que lhe lembre alguém ou alguma melodia relacionada com um episódio de vida. É por isso que os Xutos atravessam gerações, os concertos estão cheios de pais que levam os filhos - e, muitas vezes, ao contrário.
Quaisquer elogios post-mortem são fúteis e desadequados. É por isso que a música fala por si. Esta não é uma mera colecção de canções. São algumas das minhas canções - quase privadas -, aquelas que me trazem recordações, que me fazem sempre lembrar alguém ou algum lugar. Tive de escolher 7 - só para não serem 6 nem 8, porque senão, seriam todas!
Não se deixem enganar pela multiplicidade de prémios conquistados por este filme. "1 Buck" tinha muitas possibilidades, entre um thriller policial ou um drama familiar, e desperdiça-as todas num dólar mal gasto. Nem sequer é muito original a história de seguir um objecto que vai influenciando a vida de várias pessoas, mas nem isso é o mais desinteressante.
O filme começa com um crime, mas em 15 minutos já temos um polícia deprimido, viciado em cocaína, uma família disfuncional e, finalmente, uma nota de dólar que começa a passar de mão em mão. O realizador e argumentista Fabien Dufils diz ter apenas colado várias histórias que foi ouvindo, mas a verdade é que usou cola pouco consistente.
"1 Buck" dá-se ares, quer parecer o que não é, e isso é o pior que pode acontecer a um filme que, ele próprio, não sabe o que é. O elenco parece pouco à vontade no que está a fazer e a realização é muito parecida com uma tese de final de curso, apresentada por um adolescente eufórico de tão pedrado, num qualquer curso de cinema.
Talvez distraia alguns espectadores que gostam de mulheres a mostrar os seios ou de violência sem sentido - não aquela simples e directa dos "séries B", onde as tripas e os miolos espalhados pela parede fazem sentido, por não fazerem sentido nenhum -, mas vai deixar muito frustrada uma plateia que sabe o que quer, que já viu a mesma história filmada com extrema qualidade - e, sem me preocupar muito, lembro-me logo, logo, da espingarda de "Babel", de Alejandro González Iñárritu.
Poderia haver alguma condescendência acerca do baixo orçamento, Fabien Dufils até consegue captar aquele ambiente negro da América profunda - os bares sujos, as prostitutas baratas, as famílias tradicionais -, mas depois não sabe o que há-de fazer com isso. Arranja uma nota de dólar e gasta-a mal gasta. Os espectadores vão ficar desiludidos, desinteressados e perdidos.
"Valerian e a Cidade dos Mil Planetas" é um filme que está entre a espada e a parede, entalado contra os espectadores mais velhos que querem reviver as aventuras da banda desenhada da sua juventude, que Mézières e Christine desenharam de forma brilhante, e os mais novos, para quem não passa de mais um filme de aventuras espaciais.
A verdade é que a banda desenhada que tinha Valerian e Laurerine como heróis, era muito mais uma aventura filosoficamente metafórica, que uma simples aventura espacial e esse foi o primeiro dilema que Luc Besson teve de enfrentar: escolher entre o fascínio da história ou a beleza dos mundos criados. Escolheu o segundo. Se fez bem ou mal, cada um que fale por si.
Ao contrário de outros autores na época, como Bilal ou Druillet, Mézieres e Christine nunca foram de pintar grandes pranchas, usando a velha técnica do quadradinho simples, o que remetia o leitor para a importância da história, mais que para o esplendor dos cenários. Luc Besson preferiu o oposto e "Valerian e a Cidade dos Mil Planetas" é visualmente exuberante, o que faz o espectador esquecer-se da história em certos momentos.
Esse dilema fará com que uma plateia mais conservadora se sinta algo defraudada, enquanto os mais jovens, menos familiarizados com a banda desenhada original, se sintam atraídos por mundos fantásticos, personagens esplendorosos e um colorido fascinante. É como estar com a corda no pescoço, à espera da chegada do carrasco. Luc Besson tinha de fazer opções e fê-las, para o bem e para o mal.
A escolha dos actores Dane DeHaan (Major Valerian) e Cara Delevingne (Sargento Laureline) é, novamente, um dilema: os personagens originais são mais maduros, enquanto estes heróis se parecem mais com adolescentes a divertirem-se num jardim infantil. Não vão mal, é verdade, mas o sex-apeal da Laureline original não resultava da sua juventude, mas da sua irreverência perante o "segue as regras" do seu companheiro.
Olhado de mente aberta, este "Valerian e a Cidade dos Mil Planetas" tem muito mais qualidades que defeitos: visualmente exuberante, interpretado com competência q.b., é uma aventura de ficção cientifica digna dos melhores exemplares do género. Vai fazer alguns espectadores sonhar com os quadradinhos da infância, mas, por outro lado, vai fazer os mais jovens, que não conhecem a banda desenhada que serviu de base ao filme, correr à livraria, procurar as histórias originais.
Sendo um apaixonado de thrillers e policiais, fico agradavelmente emocionado quando alguém se propõe fazer um drama que seja simplesmente uma história de crime e do desenrolar da investigação, sem complicar e sem querer fazer o que não deve. Um crime é um crime, um criminoso é um criminoso, e um filme policial deve começar no primeiro e explicar sem pretensões a forma como a policia chega ao segundo.
Neste sentido, "Wind River" é simples e tem estilo. Tomando a neve como um elemento essencial, um aliado e um inimigo ao mesmo tempo, conta a história de dois policias - Jane Banner (Elisabeth Olsen) e Cory Lambert (Jeremy Renner) - e da sua investigação acerca do assassínio duma jovem, numa perdida e gelada Reserva de Nativos Americanos.
Taylor Sheridan - mais conhecido como actor de televisão em "Sons of Anarchy" ou "C.S.I." - escreve e realiza um filme simples, directo e envolvente. Um policial sem nada a mais ou a menos, fazendo uso duma mão segura e duma escrita envolvente. Não há nada a inventar aqui: há um crime e tem de se descobrir o culpado. Sigamos em frente!
Na altura da revelação final, Sheridan usa o habitual flashback, contando a história sem interrupções e sem períodos de suspense desnecessário. Não se vão acumulando revelações indirectas nem pistas para colar, que noutros filmes do género poderiam ser consideradas essenciais para manter o espectador interessado. "Wind River" não precisa de truques ou subterfúgios. É um drama simples, que vive do que é importante.
Jane and Cory têm empatia e grande parte do drama assenta nos seus ombros e na forma como se relacionam, ou, se quiserem, na forma como a sua relação vai evoluindo ao longo da história. "Wind River" é para quem gosta de policiais que cumprem o que lhes é pedido: um drama negro e intenso. Apesar do gelo que alimenta toda a paisagem, o filme queima como água a ferver. É tudo o que se deseja.
Nada além de "Down By The Water" de P J Harvey podia ilustrar melhor este "Una", cujo tema é tão incomodativo, que o realizador Benedict Andrews vê-se muitas vezes na obrigação de se fixar no que parece secundário, para que o principal seja mais subentendido que entendido. Não sendo uma perfeição, a performance quer de Rooney Mara, quer de Ben Mendelsohn, conseguem manter o espectador fechado numa sala, enquanto os seus personagens, Una e Ray, se confrontam sobre o que têm em comum.
Uma mulher procura um homem no seu local de trabalho, pretendendo confronta-lo com factos do passado comum. Nesse aspecto, o filme não perde tempo a criar suspense sobre o tema central. Ao fim de poucos minutos já sabemos que lidamos com o abuso de crianças: quando tinha 13 anos, Una (interpretada por Ruby Stokes) foi seduzida pelo seu vizinho Ray. Mas a Una adulta não quer vingança e é nessa contradição entre sedutor e seduzido que a obra vai buscar a lenha para arder.
Baseado na peça de teatro "Blackbird" de David Harrower, uma sala serve de palco a toda a tensão entre os personagens, sendo a história contada em flash-back. É quando abandona a performance fabulosa de Rooney Mara e Ben Mendelsohn que o filme parece perder-se, já que a empatia entre os dois actores é de tal forma intensa que, quando saem do ecrã, é como se um balão se esvaziasse. Dá a impressão que Benedict Andrews nunca se apercebe bem do diamante que tem na mão, perdendo tempo a procurar alternativas no vidro de pchebeque.
A complexidade do duo Una-Ray é o principal trunfo do filme, que vai agradar a quem gosta de dialogos bem construidos por personagens intensos. O principal problema do filme é a sua estrutura: baseado numa peça de teatro, dá a impressão que o realizador não consegue ficar quieto na cadeira, saltando entre cenas do passado, que, no fim, não acrescentam drama à intensidade do confronto entre os actores.
"Una" é uma hora e meia de cinema ambiguo. Alimentado pelo fogo intenso de dois actores extraordinários, que farão as delicias de muitos cinéfilos, deixa-se perder em pormenores desinteressantes que distraem os espectadores esmagados na cadeira. É como se, de repente, retirassem o tapete do drama, para perguntar se queremos chá, café ou laranjada. Na verdade, naquele preciso momento, não queremos nada, só desfrutar dum certo prazer, que acabou de nos ser roubado.
"The Book of Henry" não é para quem gosta de histórias lineares, daqueles que seguem direitinho um plano estabelecido. Apesar de alguns defeitos - uma certa infantilidade em alguns diálogos, por exemplo -, este vai ser, para mim, um dos melhores filmes do ano, certamente uns dos melhores até agora e, muito provavelmente, inultrapassável até Dezembro.
Salpicado com uns pozinhos de comédia - mas não o suficiente para aniquilar a carga dramática da história -, "The Book of Henry" trás para a frente de batalha assuntos sérios e incomodativos, para mim especialmente: a morte e o abuso de crianças. É um filme que lida de forma radical com ambos, servido por várias interpretações absolutamente superiores, a começar pelo irmão mais novo Peter (Jacob Tremblay).
Henry (Jaeden Lieberher) tem um diário secreto, não onde escreve o seu dia a dia, mas onde organiza um esquema meticuloso que a sua mãe Susan (Noami Watts) deve seguir à risca, para acabar com o drama da sua vizinha - colega de escola e secreta apaixonada - Christina (Maddie Ziegler). A partir deste argumento de Gregg Hurwitz - multi-nomeado para infinitos prémios, pelas suas novelas policiais e de mistério -, Colin Trevorrow constrói um drama pungente de vingança e redenção, preso entre a comédia, o romance e o thriller.
Servido por interpretações às vezes infantis, mas sempre excelentes, a história tanto pode ser encarada como um drama familiar, um romance pouco convencional ou um thriller disfarçado de comédia. A verdade é que estamos perante uma mãe desorganizada, apesar de interessada, que se envolve - por motivos que preferia que não tivessem acontecido - num outro núcleo familiar, quebrando a sua premissa existencial de que "não é da nossa conta". Irá, então, descobrir que tudo é da nossa conta e que o bem estar do vizinho é importante para o nosso próprio bem estar.
Todas as criticas que li arrasam este filme, considerando que parece tratar de forma superficial e infantil um tema que deveria ser levado muito a sério na sociedade actual. No entanto, eu vou repetir o que disse ao inicio: este foi, até agora, um dos melhores dramas do ano para mim e é muito provável que, até ao final, poucos consigam interessar-me e motivar-me como este "The Book of Henry". Se fui influenciado pelo tema, quer a morte quer a pedofilia, que me incomodam em particular? Certamente.
Ao contrário da critica, os espectadores parecem gostar deste filme. Identificam-se com estes personagens que, na sua simplicidade, parecem saídos da casa ao lado da sua, sendo essa uma premissa importante na história: importar-se com o vizinho, saber que a felicidade do "outro" é de importância vital para a felicidade do "eu". Nesse sentido, é um filme redentor, uma infantilidade feliz e de esperança.
"A Ghost Story" é um daqueles filmes que vai dividir plateias. Se tem o defeito de aflorar as questões superficialmente, tem, por outro lado, a qualidade de fazer as perguntas - o que, segundo o grego Sócrates, era o passo mais difícil. Talvez muitos se lembrem facilmente de "Ghost" de 1990, realizado por Jerry Zucker, com Patrick Swayze e Demi Moore, mas a mim fez-me muito mais recordar "A Viagem de Chihiro", a animação de Hayao Miyazaky de 2001.
A capa parece uma brincadeira infantil para a noite das bruxas, mas conforme o filme vai avançando, percebemos que estamos a trilhar um labirinto de humor cuidadosamente elaborado. David Lowery não deixa nada ao acaso, é de extremo cuidado na elaboração dos planos, dos sons, dos diálogos, e nem o facto de ter escolhido Casey Affleck ("C") e Rooney Mara ("M") - cuja empatia já tinha sido posta à prova em "Amor Fora da Lei", do mesmo Lowery -, nem a escolha dos actores, dizia eu, pode ser considerada uma coincidência.
"C" morre num acidente fatal, deixando "M" numa profunda solidão, só que regressa dos mortos, envolto num enorme lençol branco com dois grandes buracos negros no sitio dos olhos. Esta é toda a história do filme. É a partir daqui que David Lowery tece uma história sobre a vida, a morte, o outro e a sua importância na nossa existência. Como se todo o tempo que perdemos a ler "Ser e Tempo" de Heidegger, se resumisse a uma piada - inteligente, apesar de tudo, mas mesmo assim uma piada - de hora e meia, com um fantasma de Halloween.
Como disse ao principio, o principal defeito de "A Ghost Story" é não se arriscar em respostas às questões que levanta, deixando um sabor amargo naqueles que acham que todos os problemas têm de ter uma conclusão. Esquecem-se que as respostas são muitas vezes dogmáticas e ditatoriais, e dogmas e ditaduras são, por si, antípodas da Filosofia. Mas a sua maior qualidade é não ter truques baixos para distrair o espectador: não usa efeitos especiais, não faz fumo onde não há fogo. É a verdade nua e crua, como a morte.
"A Ghost Story" é um romance (quase) silencioso e, nessa perspectiva, é um filme esmagador. Feito com um profissionalismo exemplar, cuidadosamente realizado, editado e representado, com um humor negro absolutamente delicioso e de onde emana um enorme prazer nos diversos componentes da obra. Tudo e todos estão ali no sitio certo, no momento certo e cada coisa encaixa no lugar que lhe pertence. A inevitabilidade da morte é um tema complicado, pode perfeitamente ser tratado com o mesmo sem-sentido da arbitrariedade da causa que a provocou.
Já o disse: este é um filme para dividir plateias. Afinal, pode ser apenas mais uma história de casas assombradas, uma versão intelectual de "Amityville". Mesmo assim, encarado neste ponto de vista simples, resta saber se as casas amaldiçoadas podem ser deitadas abaixo e se os fantasmas continuam a habitar o fantasma da própria casa.