"Três anéis para os Reis Elfos debaixo do céu,
Sete para os Senhores dos Anões nos seus palácios de pedra,
Nove para os Homens Mortais condenados a morrer,
Um para o Senhor das Trevas no seu negro trono
Na Terra de Mordor onde moram as Sombras.
Um anel para a todos dominar, um anel para os encontrar,
Um anel para a todos prender e nas trevas os reter
Na Terra de Mordor onde moram as Sombras."
Conheci o Frodo teria os meus 16 ou 17 anos, devido a uma banda de rock-progressivo (ou "sinfónico", como quiserem) chamada
Tantra, cujo vocalista adotou o alter-ego artístico do personagem de Tolkien. A minha leitura da trilogia não envolveu quaisquer metáforas sobre o nazismo, limitei-me a sair disparado da primeira página do primeiro volume, só tendo parado na última página do último volume. Voltei a pegar nos livros por volta de 2000, quando Peter Jackson (quem?!...), o mais improvável dos realizadores, pegou na aventura para fazer um filme.
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Há uma enorme diferença entre ler um livro com 17 anos e repeti-lo com 40. Mesmo antes de ver o primeiro episódio da saga, percebi que Jackson ia ter um problema: os personagens, os locais, eram demasiado fictícios para poderem ser retratados de forma eficiente e credível no ecrã. Demasiados pormenores eram deixados à imaginação do leitor: a beleza de Liv Tyler, apenas como exemplo, está longe de corresponder às minhas fantasias indescritíveis sobre a princesa Arwen. No entanto, esse foi o primeiro trunfo que Peter Jackson (quem?!...) jogou de forma eficiente: apesar de tudo, existe um elevado consenso entre os novos e os antigos leitores, que as paisagens, os heróis, os ambientes, podiam muito bem ser aquilo que tinham imaginado durante a leitura.
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O segundo trunfo de Jackson, foi a escolha dos parceiros na escrita do argumento: Fran Walsh e Philippa Boyers, com quem já tinha trabalhado na história do dramático "Visto do Céu", puseram-se a limar as arestas das quase duas mil páginas da obra de J. R. Tolkien, que estava repleta de episódios intermédios que teriam de ser atirados para o lixo. O que é realmente fundamental e o que é acessório? O que pode ser retirado sem afetar a narrativa central e o que tem mesmo de ficar incólume? No final, com maior o menor desacordo, a linha condutora da aventura ficou intacta nos três episódios da saga.
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E agora, o filme propriamente dito. O que esperar de uma aventura começada a escrever nos anos 30, acabada no final dos anos 40 e editada pela primeira vez a meio dos anos 50? O que esperar duma película baseada nessa obra, dividida em 3 episódios, em que o capitulo final fará 15 anos no ano que vem? É que, pensando bem, os efeitos especiais da atualidade, quase fazem com que um troll animado há um quarto de século, pareça pouco mais que um boneco do inicio da Disney!
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Esse foi, afinal, o terceiro trunfo jogado por Peter Jackson: não fazer mais do que era possível, de forma a que a credibilidade se sobrepusesse à espetacularidade. Os efeitos especiais conseguem mais e melhor hoje em dia, é verdade, mas os bonecos de "O Senhor dos Aneis" são atuais à sua maneira, não se tornaram mais ridículos que que eram à época da estreia e, sejamos claros, nessa altura não o eram muito. Afinal, quem quiser hoje saborear o filme, vai encontrar exatamente o mesmo que encontraram os espetadoras na estreia: a mais épica aventura do bem contra o mal. Nada mais nem nada menos. E para que não haja confusão, os bons são bonitos e bem comportados, dizem coisas como "há sempre esperança" mesmo nas situações mais dramáticas, e os outros são feios, porcos e maus, mesmo maus até ao tutano.
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A história de "O Senhor dos Aneis" é sobejamente conhecida. Embora J. R. Tolkian a tenha escrito como um só volume, por razões editoriais foi dividida em três: "A Irmandade do Anel", "As Duas Torres" e "O Regresso do Rei". Peter Jackson decidiu seguir a lógica da trilogia e realizou uma saga dividida em três capítulos, estreados em 2001, 2002 e 2003, cada um com um sucesso superior ao antecedente. De tal forma, que só quando ficou completa a obra pareceu começar a atrair as atenções para o projeto completo. O último episódio tem mais de 190 prémios espalhados pelo mundo, incluindo 11 Óscars, onde estão "melhor filme" e "melhor realizador".
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Sauron, o senhor das trevas, distribuiu por todas as raças - Elfos, os eternos, homens, os mortais ambiciosos, e anões, os gananciosos mineiros - 19 anéis, que certamente os conduziriam à perdição. Nessa perspectiva, criou um vigésimo anel, forjado na lava da própria montanha do mal, que acabaria por dominar todos os outros. É esse último anel que terá de ser destruído nas entranhas de Mordor, a morada de todo o terror, guardada for exércitos de gigantes trolls e assassinos orcs. Essa tarefa titânica acaba por ficar a cargo de um pequeno Hobbit, Frodo (Elijah Wood), que inicia uma viagem cujo regresso não é garantido, saindo da sua pequena terra, o Shire, para aniquilar o objeto da maldição, encetando uma aventura onde se vão cruzar os mais diversos personagens fantásticos: Elfos e Anões - inimigos figadais -, mágicos, reis e belas princesas, horrorosos monstros e Urks implacáveis.
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Esta história simples serviu para J. R. Tolkien realçar o melhor e o pior da humanidade: o amor e o ódio, a generosidade e a ganância, a coragem e a amizade contra a opressão. Eu sou um fanático de "O Senhor dos Aneis", como era do livro - ou dos livros, como quiserem -, assisti a todas as estreias na época e entre essa data e hoje já repeti a saga de enfiada 3 vezes. Não é de esperar um profundo debate filosófico sobre estes filmes, que no fundo não passam de uma jornada fantástica, talvez um dos melhores filmes de aventuras e de guerra de todos os tempos.
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A trilogia de "O Senhor dos Anéis" dura cerca de 6 horas e (quase) não tem tempos mortos, não aborrece nem por um segundo. Está sempre a acontecer qualquer coisa, os nossos heróis enfrentam constantemente situações que os colocam em perigo, sem que isso crie o que se possa chamar de verdadeiro suspense. Tudo é delineado ao sabor do puro entretenimento e é para isso que foi feito. Como todas as histórias de "bons e maus", os bons ganham e os maus perdem, como tem de ser para o Universo funcionar na perfeição, para cada peça encaixar no seu lugar que lhe pertence - tal como acreditavam os gregos antigos, antes de saber que o Kosmos é caótico e infinito.
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O último episódio da saga vai fazer 15 anos em 2018 e a trilogia vale hoje exatamente o que valia quando estreou: uma aventura clássica sobre um grupo de pessoas que, para fazer o bem, tem de enfrentar o poder das forças do mal. Dito assim, pode fazer lembrar alguns filmes de cow-boys de John Ford ou a saga da Guerra das Estrelas. É verdade, Hollywood não renuncia às suas raízes. Às vezes, algumas obras querem fazer parecer o que não são. Neste caso, Peter Jackson não caiu nessa asneira. O que há, é o que está à vista: porrada bem feita, da melhor, durante 6 horas sem parar. Vamos a eles!